Em uma cidade de ritmo frenético e mudanças constantes como São Paulo, é corriqueiro o desaparecimento de locais marcantes de nosso passado, seja com a demolição de construções antigas ou simplesmente o desaparecimento de registros documentais. Alguns desses endereços mencionados em livros, crônicas de jornal ou mesmo em trocas de correspondência entre intelectuais parecem tão especiais que muitas vezes parecem ser fictícios
Espaços estes onde figuras de nosso cenário cultural do início do século passado, como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Monteiro Lobato e tantos outros reuniam-se com seus amigos para conversar, debater ideias, beber e até paquerar.

Ao menos dois dos escritores citados no parágrafo anterior tiveram em São Paulo seus “cantinhos” especiais e ambos eram dados como perdidos para sempre, mas resistem até os dias atuais. Monteiro Lobato com o seu famoso Minarete, no bairro paulistano do Belenzinho, zona leste da capital, e Oswald de Andrade com sua garçonniére na região central da cidade.
Leitores habituais de Oswald de Andrade (*1890 +1954) em algum momento já se deparam com a história da garçonniére onde ele se entregava aos prazeres da carne com uma garota chamada Daisy, natural de Cravinhos, no interior paulista, e estudante da Escola Normal. Apesar disso o espaço não era apenas dedicado à luxúria, mas também para encontros entre intelectuais da época. A única diferença é que quando estavam lá para algo mais íntimo, Oswald e Miss Cyclone, como era conhecida a estudante, deixavam uma bandeira vermelha junto à porta para não serem incomodados.
Também chamado pelo célebre escritor paulista como “covil da rua Líbero” o apartamento funcionou como ponto de encontro entre os anos de 1917 e 1918 e é considerado por estudiosos como um dos berços do modernismo brasileiro. Dado como desaparecido por décadas o apartamento foi reencontrado pelo historiador paulistano José Roberto Walker. E você pode, se quiser, ao menos passar em frente, admirar e tirar fotos desse precioso local.
Construído na alvorada do século 20, o pequeno edifício localizado no número 452 da rua Líbero Badaró é o prédio onde funcionou a lendária garçonniére de Oswald de Andrade. Trata-se de um imóvel originalmente residencial, com 9 apartamentos distribuídos em três andares. A famosa unidade não tem vista para a rua, fica no fundo e fica no último andar.

Pequeno e discreto o prédio provavelmente era mais badalado na época em que Oswald de Andrade o ocupou. Afinal dois de seus vizinhos, o Edifício Martinelli ainda nem estava nos planos e o primeiro arranha-céu de São Paulo, o Edifício Sampaio Moreira, só seria construído em 1924.
O prédio que abrigou a garçonniére foi projetado para ser residencial com pontos comerciais no térreo. Com o passar dos anos sofreu adaptações e passou a ser basicamente de uso comercial, sendo conhecido por abrigar diversos consultórios de médicos e dentistas, além de advogados e despachantes. De um único proprietário foi sempre bem cuidado e não sofreu deterioração, embora tenha ficado fechado por longos anos.
Tombado como patrimônio histórico de São Paulo o edifício, que jamais teve um nome, deveria de receber o nome de Miss Cyclone ou algo que remetesse a essa tão importante história da cidade. Fica a sugestão.
Veja fotos internas da garçonniére de Oswald de Andrade na galeria a seguir:



Respostas de 4
Você conhece a publicação em facsímile do diário da garçonnière? Chama-se “O perfeito cozinheiro das almas deste mundo” foi publicado nos anos 80 por Frederico Nasser, se tiver sorte se encontra em sebos
Parabéns pelo post. Neste formato, está ótimo.
Há várias referências sobre esse apartamento no livro “Oswaldo de Andrade Mau Selvagem” de Lira Neto.
Livro muito bom.
É muito bom lembrar que essa referência da cultura de SP ainda existe, embora totalmente ignorada pelo poder público. O prédio teve a sorte de estar incluído no entorno do Prédio Martinelli e, apenas por isso, está protegido. Mas nunca foi tombado. E ainda é preciso notar que a Secretaria de Cultura do município fica na mesma calçada, a menos de 100 metros do prédio da garçoniere e nenhum dos últimos secretários se comoveu com esse fato. Infelizmente as fotos da postagem não são atuais. Não sei exatamente se são as que eu fiz em 2012 quando entrei pela primeira vez no prédio. Mas são compatíveis com aquela época. Depois o prédio foi invadido e desocupado e hoje abriga uma escola de bombeiros civis e, na sala do velho covil do Oswald, existe hoje uma oficina de costura. Ah, em tempo, Douglas está de parabéns pelo trabalho. A memória de SP depende inteiramente de pessoas como ele. Um herói desta cidade!