Corria a década de 1920 e São Paulo passava por profundas transformações urbanísticas, fruto do acelerado crescimento que a cidade recebia oriundo das riquezas proporcionadas pelo café e pela cada vez maior industrialização.
Essa transformação intensa não poupou os resquícios da São Paulo colonial ou mesmo imperial, onde tudo que parecia antigo vinha abaixo em nome de uma modernidade quase utópica que desproveu a cidade de inúmeros bens históricos. Construções de outros séculos vieram abaixo e junto deles igrejas como a velha Sé.
Essa sanha demolidora por pouco não colocou abaixo por completo aquele que é um dos mais importantes templos católicos da capital paulista: a Igreja da Ordem Terceira do Carmo.
Em outro artigo publicado aqui mesmo no São Paulo Antiga contei a história do antigo palácio do Congresso de São Paulo, edificação que abrigou o poder legislativo paulista entre o fim do Século XIX e o ano de 1937. Aquele texto é o início da história que contarei aqui. Se ainda não leu, recomendo começar a leitura por lá.
Corria o ano de 1926 e os congressistas de São Paulo reclamavam muito sobre as condições do velho palácio legislativo da Praça Dr. João Mendes. De dimensões modestas o imóvel já não atendia a necessidade de deputados e senadores, que viam a necessidade urgente de se construir um novo palácio para abrigar o congresso.
Para isso precisavam de uma área ampla na região central que pudesse abrigar a nova estrutura já que mesmo demolindo o palácio antigo não haveria espaço suficiente para o que eles almejavam. Foi ai que em 1927 as atenções dos políticos paulistas se voltaram para o local onde estavam localizados a igreja e o convento da Ordem Carmelitana. A pressão junto ao então governador de São Paulo, Júlio Prestes, foi tamanha que em 1928 ele determinou a desapropriação da área.
Era o fim da linha para duas das mais antigas construções da Cidade de São Paulo já que o convento surgiu ainda no Século XVI. A igreja por sua vez era mais recente, tendo sido construída entre 1747 e 1758 e reformulada entre 1772 e 1802 pelo famoso Tebas, arquiteto negro que foi responsável por várias obras na São Paulo daquele tempo.
Uma das justificativas para a demolição é que a ordem religiosa já possuía um amplo terreno na Rua Martiniano de Carvalho, bairro da Bela Vista, e poderia erguer ali seu novo complexo.
E assim, em 1928, começava a demolição das edificações a partir inicialmente do convento, no que parecia ser o fim da linha para Ordem Terceira do Carmo naquela área do centro da cidade.
Nas fotografias abaixo três momentos distintos. A primeira imagem, de 1927, mostra o convento e a igreja ainda intactos, já a segunda, de 1929, o convento já completamente demolido e parte da estrutura da igreja já destruída. A última é da década de 1930 (clique nas imagens para ampliar).
UM CONCURSO PARA O NOVO PALÁCIO:
Para o novo palácio foram criadas grandes expectativas, afinal a ideia dominante entre deputados e senadores paulistas era que o novo edifício fosse grandioso e mostrasse em seus traços arquitetônicos a riqueza de São Paulo.
Com o objetivo de, ao menos teoricamente, fazer da escolha do novo palácio algo democrático, foi decidido em 1928 que seria criado um concurso público onde engenheiros e arquitetos poderiam enviar seus projetos e um deles seria escolhido e premiado.
O concurso atraiu interessados não somente de São Paulo mas de todo os cantos do país, sendo apresentados os mais distintos projetos para o novo palácio. Os quinze melhores projetos foram selecionados para uma segunda fase, sendo expostos para a apreciação dos paulistanos.
A nota acima é do extinto jornal paulistano A Gazeta e exprime o sentimento de muitos que foram ver os projetos expostos para o público no Palácio da Indústrias. Tal qual no projeto do Theatro Municipal de São Paulo e tantas outras importantes construções de São Paulo a crítica era a falta de ousadia e inovação dos projetos selecionados, que mais pareciam cópias de outros palácios mundo afora.
O maior crítico dos projetos selecionados talvez tenha sido do arquiteto e escritor Flávio de Carvalho, um dos ícones da geração modernista brasileira. Em entrevista à mesma Gazeta ele disse que quase todos os projetos eram oriundos de trabalhos de pura cópia ou de “preguiça de raciocinar“ (palavras do autor). Apesar do tom das críticas o concurso seguiu inabalado até o final.
Conheça abaixo 11 dos 15 projetos finalistas (clique para ampliar):
De todos os projetos apresentados apenas dois eram considerados realmente contemporâneos e modernos, justamente os dois últimos na galeria acima respectivamente chamados de Anhanguera e Efficacia. Os demais pareciam similares a outros lugares já existentes, um deles inclusive bastante criticado por parecer cópia do congresso da Argentina (vide a nona imagem da galeria).
Dos quinze seriam selecionados os três finalistas que receberiam prêmios em dinheiro. Respectivamente do primeiro ao terceiro colocado as premiações seriam de 30, 15 e 10 contos de Réis.
O projeto vencedor do concurso público foi o denominado Cleon, de autoria de Plínio Botelho do Amaral, na época um jovem arquiteto de 24 anos de idade. Mais tarde ele viria a se tornar bastante famoso por projetar o Edifício Altino Arantes (atual Farol Santander).
Com o projeto escolhido e a demolição quase completa, restando apenas a igreja da Ordem Terceira do Carmo, parecia que agora era questão de tempo para o novo palácio surgir. Porém um acontecimento histórico do Brasil viria a causar o abandono do ideia de novo palácio.
A REVOLUÇÃO DE 1930 – MUDANÇA FORÇADA DE PLANOS:
Como tudo no Brasil tende a demorar ou a mergulhar em um mar de burocracia, as obras do futuro palácio também sofreram desse mal. E essa demora tanto para o início das obras quanto da conclusão das demolições colocariam por terra abaixo o novo palácio.
A Revolução de 1930 viraria a política brasileira do avesso. Era o fim da República Café com Leite e o início da longeva Era Vargas. Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder o congresso nacional e os seus respectivos estaduais foram fechados e assim as obras do futuro palácio foram totalmente paralisadas.
A igreja com isso foi poupada e reformada, voltando a ser utilizada normalmente e mantendo-se viva até os dias atuais, apesar disso uma outra igreja foi construída no terreno da Rua Martiniano de Carvalho.
Quando as atividades parlamentares retornaram em 1935 os trabalhos continuaram no antigo palácio da Praça Dr. João Mendes. Em 1939 o então governador de São Paulo, Adhemar de Barros, determina que a assembleia paulista mude-se para o Palácio das Indústrias, agora renomeado para Palácio 9 de Julho.
Com isso o velho palácio seria demolido em 1940 e o projeto do novo palácio enterrado de vez. A Assembleia Legislativa só teria um palácio novo, de fato, para chamar de seu em 1968 com a inauguração de sua sede definitiva no Ibirapuera.
Apesar da igreja salva podemos concluir que a demolição do convento havia sido em vão. Até aquele momento.
SURGE UM GIGANTE:
Adhemar de Barros não iria deixar aquele terreno vazio em área tão valorizada da cidade por muito mais tempo, o governo de São Paulo encomenda ao arquiteto Ferrucio Julio Pinotti um projeto de novo edifício para ocupar o lugar. E em 1941 iniciam-se as obras do Palácio Clóvis Ribeiro, mais conhecido popularmente como Prédio da Secretaria da Fazenda.
Por fim o que foi construído no lugar do que foi planejado para ser o Congresso Paulista foi algo muito mais grandioso, afinal o Palácio Clóvis Ribeiro é uma estrutura colossal que levou duas décadas para ser concluída. O edifício que abriga a Secretaria da Fazenda e Planejamento do Governo do Estado de São Paulo possui 23 andares e 15 elevadores, numa área de 72 mil metros quadrados.
E A IGREJA NOVA ?
Você deve estar se perguntando: e a tal nova igreja do Carmo ela foi construída ou acabou não precisando ? Ela foi sim construída sendo batizada de Basílica Nossa Senhora do Carmo:
Localizada no número 114 da Rua Martiniano de Carvalho, bairro da Bela Vista, o novo tempo foi inaugurado na páscoa de 1934. A Paróquia Matriz Nossa Senhora do Carmo de São Paulo foi projetada pelo arquiteto polonês Georg Przyrembel ele conciliou o projeto da nova igreja com o aproveitamento de materiais oriundos da demolição do antigo convento demolido e de partes da antiga igreja do Carmo que sobreviveu, como os dois altares e os parapeitos das janelões.
Ao lado da igreja encontra-se o Centro para Criança e Adolescente Nossa Senhora do Carmo e a Província Carmelitana de Santo Elias, convento que substituiu o antigo demolido em 1928.
SAIBA MAIS:
Conheça a primeira parte desta história, clicando AQUI!
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Bibliografia:
Correio Paulistano – Edição de 14/02/1928 pp 5
Correio Paulistano – Edição de 17/02/1929 pp 3
Correio Paulistano – Edição de 26/02/1929 pp 7
O Estado de S.Paulo – Edição de 16/02/1928 pp 3
O Estado de S.Paulo – Edição de 11/10/1928 pp 3
Diário Nacional – Edição de 15/04/1929 pp 9
Diario Nacional – Edição 0509 (data mutilada)
A Gazeta – Edição de 24/04/1929 pp 8
Sampa Histórica – Link visitado em 23/01/2022
Fazenda e Planejamento – Link visitado em 23/01/2022
Assembleia Legislativa – Link visitado em 23/01/2022
USP (teses) – Link visitado em 23/01/2022