No Brasil os especialistas em futebol costumam dizer que o trono de “Rei do Futebol” antes de Pelé foi ocupado pelo genial Arthur Friedenreich. Já na vizinha e rival dos gramados Argentina a imprensa esportiva diz que por lá o antecessor do “El pibe de Oro” Diego Maradona como maior jogador foi o célebre Guillermo Stábile.
Craque argentino de uma época em que o futebol era só acompanhado “in loco” pois não haviam transmissões de rádio ou televisão, Stábile foi um jogador arrojado e completo. Habilidoso conseguiu a proeza de ser o primeiro artilheiro da história das copas, ao terminar a Copa do Mundo de 1930 do Uruguai com 8 gols. E com o detalhe de ser uma copa mais curta que as atuais e ainda ter começado o torneio do banco de reservas.
Mas o que esse boleiro argentino tem a ver com a cidade de São Paulo?
O fato a ser narrado aqui é uma curiosidade, que poderia passar despercebida e esquecida nos anais da imprensa paulistana, mas que encontrei sem querer ao fazer uma pesquisa sobre outro tema, uma fábrica.
Corria o início do ano de 1939, já passado praticamente uma década desde a primeira Copa do Mundo. Guillermo Stábile já não era um atacante, mas treinador de futebol. E estava no Brasil naquele começo de ano para uma missão importante: levar seus comandados a mais uma vitória da Copa Roca.
Este torneio que foi disputado várias vezes ao longo do século 20 e também no século 21, tem em seu nome uma homenagem ao ex-presidente argentino Julio Roca. Quando da ocasião da primeira partida da primeira edição do torneio, em setembro de 1914, o líder argentino ainda estava vivo. Porém no mês seguinte Roca faleceu e o torneio manteve seu nome transformando-se em uma homenagem póstuma.
Disputado até então nos anos de 1914, 1922 e 1923 , estava com o quadro favorável ao Brasil com as duas vitórias contra uma Argentina. A edição de 1939 seria o empate entre os rivais ou consolidação do Brasil como grande vencedor.
O regulamento do torneio previa o título a quem ganhasse a maioria dos jogos. Disputada naquele ano em território brasileiro, os jogos foram no estádio de São Januário, do Vasco da Gama. A Argentina venceria a primeira partida pelo placar de 5 a 1 , enquanto o Brasil venceu a segunda por 3 a 2.
Com uma vitória para cada lado a disputa ficou empatada e o torneio sem vencedor, tendo que marcar mais partidas para desempatar a competição.
Entretanto sem data próxima disponível os jogos só foram agendados para o início de 1940, com ao menos uma partida também em solo brasileiro, no estádio Parque Antártica do Palestra Itália em 18 de fevereiro daquele ano. Caso houvesse um empate uma outra partida seria disputada no mesmo estádio em 25 de fevereiro, uma semana depois da primeira.
E foi justamente um empate que aconteceu. A partida acabou com dois gols para cada lado, mesmo sendo arrastada até a prorrogação. Teríamos uma nova partida (ou mais, até alguém ganhar um jogo).
E foi durante os dois jogos em São Paulo que aproveitaram a oportunidade para conhecer melhor e homenagear o primeiro craque argentino e que agora treinava a seleção Guillermo Stábile.
Nos seis dias entre o primeiro e o segundo jogo treinador e comitiva receberam uma série de convites dos paulistanos. Por aqui já éramos bastante fanáticos por futebol e naquele momento com uma rivalidade respeitosa, sem a bobagem de “inimigo” criado por Galvão Bueno e companhia nos anos 1980 pra cá.
A primeira honraria foi ser recebido pelo então interventor paulista (governador) Adhemar de Barros. Ele recebeu Stábile e alguns membros da comissão técnica no Palácio Campos Elíseos, onde conversou com os atletas e apresentou o palácio aos argentinos.
O segundo convite foi bastante curioso e me deu a ideia de escrever esse artigo:
Jogadores e comissão técnica foram convidados a conhecer as instalações da L. Biaconi & Cia, fabricante dos produtos de beleza Realce que tinha em sua linha pó-de-arroz, óleo para cabelo, talco e água de colônia. A visita partiu do próprio dono da empresa Luis Bianconi, ele mesmo um apaixonado por futebol.
Abaixo algumas fotografias da visita do elenco argentino na empresa paulistana então localizada na Rua Cel. Emídio Piedade, no bairro do Brás:
Nesta visita todo o “scratch” argentino pode conhecer as instalações fabris e observar a produção de diversos produtos Realce do início ao fim. A ocasião foi bastante festiva na empresa e teve grande cobertura da mídia na época. No final da visita funcionários, patrões e o elenco da equipe Argentina posaram para uma foto juntos.
Dias depois as duas equipes jogariam novamente e os hermanos seriam vencedores da partida por 3 a 0, conquistando definitivamente a Copa Roca 1939 (mesmo que já em 1940). Ainda no mesmo ano as duas equipes voltariam a se enfrentar, agora no país vizinho, pela Copa Roca 1940, novamente com a conquista dos argentinos.
Bibliografia consultada:
- Correio Paulistano – Edição de 21/02/1940 pp 01
- Correio Paulistano – Edição de 22/02/1940 pp 08
- Correio Paulistano – Edição de 25/02/1940 pp 16, 18
- Correio Paulistano – Edição de 27/02/1940 pp 08
Respostas de 3
Engraçado… e o Adolfo Pedernera e o Alfredo Di Stefano?
…/…. ótimo registro !
Seleção Brasileira: velha freguesa da toda poderosa Argentina!