Vila dos Ingleses

São Paulo é a cidade das vilas. Quase todos os bairros paulistanos tem uma, nos mais variados estilos arquitetônicos e diferentes fins. As mais famosas delas são a Vila Maria Zélia, a Vila Economizadora e a Vila dos Ingleses, cuja história você irá conhecer neste artigo.

A Vila dos Ingleses atualmente (clique para ampliar)

Mas, antes de mais nada, é importante saber que mesmo se tratando de uma vila construída há mais de um século, seu terreno foi anteriormente parte de um magnífico palacete que existia na região: a residência da Marquesa de Itu, construída no final do século 19 e projetada por Maximilian Hell que é conhecido por ter projetado a Catedral da Sé e a Catedral de Santos (SP).

A fotografia a seguir mostra o antigo palacete. A fachada se dava para a rua Florêncio de Abreu e ao fundo é possível observar uma grande área verde, onde ficava o jardim da propriedade. Essa porção do lote foi desmembrada em 1913 e doada à sobrinha da marquesa, Eliza de Aguiar d’Andrada, cujo esposo era diretor técnico da ferrovia São Paulo Railway. É neste lugar que viria a ser construída a atual Vila dos Ingleses.

Palacete da Marquesa de Itu, na rua Florêncio de Abreu

Projetada pelo engenheiro Germano Bresser as obras para a construção da Vila dos Ingleses se iniciaram em 1915 e foram até o ano de 1919. Ao todo foram construídos 28 residências, que inicialmente foram destinadas a abrigar os engenheiros ingleses que trabalhavam para a São Paulo Railway, seja em São Paulo, na própria Estação da Luz, seja nas demais regiões atendida por essa ferrovia, cuja extensão se dava de Santos até Jundiaí.

Embora a vila tenha surgido praticamente na mesma época que em São Paulo temos a proliferação das vilas operárias, esta não segue este padrão, uma vez que seus habitantes não eram operários mas membros da classe média, já que eram engenheiros e recebiam salários muito superiores aos operários das demais vilas paulistanas. O padrão de acabamento das residências também era superior.

CARACTERÍSTICAS ARQUITETÔNICAS

clique na foto para ampliar

Instalada em uma área construída de 5.700,80 m² a Vila dos Ingleses é composta por 28 casas assobradadas construídas em terreno plano. As residências estão dispostas em formato de “L”, sendo que sete delas estão voltadas diretamente para entrada principal, situada na rua Mauá. Uma está isolada enquanto seis são direcionadas para o corredor de acesso e 14 são geminadas “tipo miolo”.

As residências têm três tipos de fachadas: dois formados por frontões, que dividem transversalmente a estrutura do telhado nos sótãos, e outro sem frontão, que separa os outros dois tipos. Todos têm a porta de entrada localizada na lateral, varanda coberta e distribuição igual das janelas no primeiro e no segundo andar. Todas as casas compartilham da mesma planta básica, com poucas variações.

Os sobrados foram erguidos em concreto armado e alvenaria, com coberturas de telhas francesas, sustentadas por estrutura de madeira. A arquitetura das casas da Vila dos Ingleses junta o estilo vitoriano com o colonial brasileiro, apresentando empenas e tijolos aparentes, além de telhas-canal e alpendres. Os telhados guardam semelhanças com o estilo normando, ou seja, com inclinação acentuada.

Vila dos Ingleses em fotografia feita por drone (clique para ampliar)

MUDANÇA DE MORADORES

Apesar de ter o nome de Vila dos Ingleses por ser destinada a eles a primeira ocupação de moradia do local, os ingleses em si ficaram pouco tempo na vila, já que no início da década de 1920 começa a diminuir sensivelmente a contratação de engenheiros estrangeiros, sendo que a Escola Politécnica passa a formar cada vez mais brasileiros aptos a trabalhar no setor.

Em 1925 já são poucos os estrangeiros morando ali e no final da década o espaço passa a ser alugado e ocupado por famílias de classe média paulistana, especialmente entre os anos de 1929 e 1945. Posteriormente esses moradores também começam a desocupar a vila e procurar moradia em outros bairros, como Higienópolis, incomodados com a transformação do bairro da Luz que passa a ser tomado pelo comércio atacadista e cerealista, deixando de ser um bairro tranquilo.

É nesse momento que a degradação começa a atingir a vila, com a chegada nas proximidades de outros fatores que contribuem para a desvalorização da região, como a inauguração do Terminal Rodoviário da Luz e a proliferação de cortiços e hotéis baratos na região, destinados a abrigar pessoas que chegavam do nordeste brasileiro em busca de oportunidades de trabalho na capital paulista.

Abaixo a listagem de telefones dos moradores da Vila dos Ingleses respectivamente em 1937 (número 105) e 1961 (número 836, atual):

DEGRADAÇÃO

Em 1953, quando a vila já estava bastante deteriorada e acumulando dívidas de impostos, seu então proprietário, Eduardo de Aguiar d’Andrada, transfere a propriedade para seu neto François Moreau. O novo dono logo aplica mudanças na Vila dos Ingleses, com o objetivo de recuperar o espaço degradado e mudar o padrão de ocupação, uma vez que os valores pagos pelos então habitantes era insuficiente para manter as estruturas conservadas.

Nesse momento o local é reposicionado e passa a abrigar, além de moradias, pensionatos católicos e clubes de funcionários, tendo uma elevação no padrão e melhora nas condições gerais das habitações. No entanto essa melhora dura pouco mais de uma década, já que nos anos 1970 começam as obras do Metrô e da futura estação Luz que é bem próxima à vila. Abaixo você confere duas imagens em meados da década de 1970.

A região vira um canteiro de obras e o espaço novamente se degrada e esse estado ruim de conservação persiste até a década de 1980, com as casas operando diversos cortiços ocupados em sua maioria por jovens que chegavam à capital paulista oriundos e outras cidades de São Paulo ou de outros estados. A deterioração era tão grande que em 1984 há um incêndio no local, causado pelo vazamento de um botijão de gás.

UM NOVO HORIZONTE

Na foto a Vila dos Ingleses em meados da década de 1970 (Crédito: O Estado de S.Paulo)

Ainda na mesma década de 1980, quando tudo parecia caminhar para um final triste (ela ainda não era tombada), a família Moreau, proprietária da vila, se anima com uma série de fatores que passam a mudar a região, como a desativação da rodoviária e a restauração da Pinacoteca, o que leva a uma nova mudança no espaço que perde em 1988 seu caráter residencial, sendo alugado a partir deste momento apenas para empresas, algo que se mantém até os dias atuais.

Em 1992 a Vila dos Ingleses tem aberto seu processo de tombamento no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp). Em 2000 o Iphan anuncia o tombamento provisório, mas até o momento seu tombamento definitivo a nível federal ainda não foi decretado.

Já no ano de 2012 a vila passou a ser protegida pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). Em sessão ordinária realizada no dia 20 de agosto daquele ano, o colegiado do Condephaat decidiu, por unanimidade, abrir novamente um estudo de tombamento da Vila do Ingleses, que ainda segue em aberto.

A vila atualmente é muito bem preservada, sendo ocupada por diversos escritórios dos mais variados segmentos e se transformou em uma importante atração turística do bairro da Luz, somando-se à Pinacoteca, Museu da Língua Portuguesa e demais atrativos locais. Os arredores da vila, no entanto, especialmente na rua Mauá, é muito mal conservado pela prefeitura de São Paulo, não sendo raro encontrar muito lixo acumulado, especialmente junto ao muro da linha férrea.

Dados técnicos:

Vila dos Ingleses
Inauguração: 1919
Arquiteto: Germano Bresser
Primeiro proprietário: Eduardo de Aguiar d’Andrada
Atuais proprietários: Família Moreau
Situação: Preservada
Endereço: Rua Mauá, 836 (antigo 105) – Luz

GALERIA DE FOTOS (clique na miniatura para ampliar):

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Respostas de 6

  1. Olá, Douglas. Somente uma retificação do sobrenome do engenheiro responsável: Hehl. Um neto dele foi colega meu de música em São Paulo.

  2. Conheço e fui várias vezes visitar. Meu tio morou na rua MAUÁ, muito próxima. Isso deve fazer pelo menos 65 anos. Eu esperei essa postagem por muito tempo. Parabéns.

  3. Muito bom conhecer a história da cidade de São Paulo e seu patrimônio. Agradeço a postagem!

  4. Parabéns Douglas, pela excelente postagem, não só da vila, sua história, como da qualidade das fotos.

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