Por incrível que parece a região da Sé (e Liberdade) ainda preservam algumas antigas residências da elite paulistana de outrora. Apresento aqui uma das que considero entre as minhas favoritas para o deleite de vocês. Trata-se do palacete que foi a residência de Felisberto Ranzini.
Localizada na rua Santa Luzia 31, antigo número 1, é mantida em excelente nível de preservação desde sempre, a residência que outrora pertenceu ao arquiteto ítalo-paulistano Felisberto Ranzini foi construída há um século, precisamente em 1924, em terreno adquirido dois anos antes junto ao espólio de Domingos Giubergia que era o proprietário de uma parte das terras desta rua. O lote foi comprado pelo valor, na época, de 15:715$000 (quinze contos, setecentos e cinquenta mil réis).
Erguida em um estilo arquitetônico identificado como eclético florentino, estilo este que foi bastante recorrente na capital paulista nas primeiras décadas do século 20, o projeto da casa foi do próprio Ranzini que, entre diversas outras obras relevantes pela cidade de São Paulo destaco o projeto da Casa das Rosas, encomendado a ele pelo seu amigo e colega de trabalho Francisco Ramos de Azevedo para servir de residência à sua filha e genro.
Constituída de dois andares (piso térreo e superior) além de porão habitável, o palacete tem farta ornamentação da fachada frontal, com destaque no centro da construção para um brasão com um “fascio” no centro da imagem, símbolo este muito utilizado por diversos grupos políticos da Itália mas que posteriormente foi utilizado adotado pelo movimento fascista daquele país.
Além disso tem presença na fachada inúmeros elementos renascentistas, como as ameias, que lembram castelos europeus. A parte mais baixa onde se encontra o respiro e gradil do porão é adornado com pedras, as mesmas que são encontradas instaladas nas colunas que sustentam o enorme muro de arrimo no fundo da propriedade. O quintal da casa é feito com pisos hidráulicos nas cores branca e preta intercaladas.
O interior da residência é de muito bom gosto e ricamente adornado, repetindo em seu interior o estilo eclético florentino pelos diversos cômodos. Os aposentos principais, de Felisberto Ranzini, estão na porção frontal do palacete exatamente sobre o cômodo térreo que originalmente era a sala de estar.
O imóvel foi ocupado por Felisberto Ranzini até 1976, ano de seu falecimento, sendo que somando seus descendentes o local foi residência de um total de três gerações da família. Posteriormente o imóvel teve diversos usos, inclusive comerciais, e mais recentemente funcionou a Casa Ranzini um centro cultural que avivava a memória do criador da residência, entre outras atividades. Após algum tempo de portas fechadas o imóvel reabrir em agosto de 2024 para abrigar um novo espaço cultural.
Desde o ano de 2015 o palacete é tombado como patrimônio histórico de São Paulo em duas esferas municipal (Conpresp) e estadual (Condephaat).
Abaixo duas curiosidades a respeito da residência, os números telefônicos do imóvel nos anos de 1937 (esquerda) e 1961 (direita). Note-se que originalmente a residência era no número 1, que foi alterado para o número utilizado até os dias atuais no final da década de 1930 (clique para ampliar).
Desde agosto deste ano, exatamente um século depois que a residência foi concluída, o local passou a ser a sede de um interesse espaço cultural, denominado “Museu do Livro Esquecido“. O museu funciona aos sábados e domingos, das 10h às 17h e é ótima oportunidade para se conhecer o palacete por dentro, bem como a exposição do momento.
DADOS DA RESIDÊNCIA:
Ano de inauguração: 1924
Arquiteto: Felisberto Ranzini
Estilo: Eclético Florentino
Primeiro proprietário: Felisberto Ranzini
Endereço: Rua Santa Luzia, 31 (antigo 1) – Sé
Tombamento: Sim/2015
Uso atual: Museu
Instagram: @museudolivroesquecido
GALERIA DE FOTOS (clique para ampliar):
QUEM FOI FELISBERTO RANZINI?
Nascido em Mântua, Itália, em 1881, Felisberto Ranzini veio para o Brasil com seus pais e ainda criança no ano de 1888, fixando com eles residência em São Paulo. Estudou no tradicional Liceu de Artes e Ofícios, onde posteriormente seria professor. Sua carreira no ensino também se deu na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo entre 1921 e 1948.
Artista plástico, arquiteto, professor e desenhista, Ranzini também trabalhou por longos anos no escritório de Ramos de Azevedo onde participou de relevantes obras públicas paulistanas como a já mencionada Casa das Rosas, Faculdade de Direito da USP, Clube Comercial de São Paulo (já demolido) e do Mercado Municipal da Cantareira.
A FONTE DA RUA SANTA LUZIA
Curiosamente no muro de divisa entra a residência de Felisberto Ranzini e seu vizinho, existe uma placa muito antiga com as inscrições “RASE” que, de acordo com o que se dizia pelo próprio Ranzini trata-se do local original da extinta fonte Santa Luzia, uma fonte de água de origem já muito antiga e que por mais de um século abasteceu os moradores da região.
Com seus registros mais antigos documentados no século 18, a fonte foi muito citada em escritos e jornais paulistanos no século 19 e funcionou até o começo do século 20, quando foi fechada por estar já insalubre. O recorte abaixo, de 1884 faz uma citação sobre esta e demais fontes:
Respostas de 13
Mais um museu sem quase nada dentro e sem função, poderia ter um uso comercial normal
Tenha paciência! O museu está aberto há duas semanas e em testes. Terá editora, gráfica retrô e até oficina de restauro e encadernação.
Vai ter biblioteca para uso público. ainda não está finalizado, tem livros raros.
… e creio, empregando algumas dezenas de funcionários para um museu sem definição.
O museu é particular, antes de falar bobagem vá pesquisar um pouco. Burrice é feio!
Que bom que o nobre sr Douglas está divulgando o novo museu. Farei o mesmo na minha sinagoga. Quanto ao “uso comercial normal” , é este mesmo que têm acabado com nossa história e, consequente falta de cultura dos nossos cidadãos!
Em 6 de março de 1819, então com 22 anos, Domitila de Castro [a futura Marquesa de Santos] foi emboscada e esfaqueada pelo alferes Felício de quem estava separada. A tentativa de feminicídio ocorreu nas proximidades desta mesma bica, citada na matéria. Décadas atrás residi à direita desta maravilhosa obra arquitetônica [no n°27] e soube a história do acontecimento.
há alguns dias, a Vero Kraemer, artista plástica q sigo há muito tempo, publicou q encontrou pelo caminho esse novo museu e ficou encantada… na hora q li a publicação gostei… agora, vendo a historia inteira do palacete fiquei com mais vontade de subir a serra para visitar…. passar momentos bons nessa atmosfera deliciosa… Afinal a verdadeira função de um lugar encantado como esse é nos trazer uma sensação única… viagem ao passado ou futuro… ou melhor ainda, a confirmação de q a vida é mais do q comprar e vender… precisamos sentir mais! mais uma vez Douglas… obrigada pela sua sensibilidade em descobrir e dividir essas preciosidades
Douglas, no mesmo quarteirão do Museu do Livro Esquecido, tem o Museu do Tribunal de Justiça que era o Palacete Conde de Sarzedas, para quem for visitar um dá para dar meia volta no quarteirão e visitar o outro também.
Olá Clotilde, como vai?
Isso mesmo, e daqui uns dias vamos falar dele aqui.
Formidável, Douglas! Grato pela informação sobre o local abrigar um museu; os aparelhos sanitários lembraram-me os da Casa das Rosas; sobre a fonte Santa Luzia, foi perto dela que a Domitila de Castro Canto e Melo, futura marquesa de Santos, foi esfaqueada por seu primeiro marido, Felício. Apenas necessita reparo o valor numérico do lote, que é de 15 contos e 715 mil-réis, e não 750 mil-réis como descrito por extenso.
Douglas, tenho uma curiosidade: a quem pertence o imóvel? A uns 2 anos mais ou menos eu estava em busca de uma casa e me deparei com esse imóvel incrível anunciado no ‘refugios urbanos’. Na época descobri que por ser tombada não se qualifica para financiamento, o que é uma pena, mas fiquei curiosa em saber se apenas desistiram da venda ou se alguém de fato o adquiriu.
Ele de fato foi vendido, mas não sei dizer se foi no anúncio em questão. Sei quem é o proprietário mas não creio ser pertinente dizer.