Café Guarany – Rua Major Diogo

Num passado não muito distante a cidade de São Paulo possuía um sem número de indústrias dos mais variados ramos possíveis. Desde uma lavanderia movida a vapor a uma complexa tecelagem de seda, o início do século 20 tinha um cenário que hoje é quase impossível de imaginar. Um dos ramos praticamente ausentes da capital paulista no século 21 a torrefação de café era uma constante por todas regiões da cidade, com fábricas de pequeno, médio e grande porte produzindo café para atender a demanda local e, eventualmente, as exportações.

Localizado nos números 580, 582 e 586 da rua Major Diogo, no bairro da Bela Vista, este suntuoso sobrado de uso misto abrigou um movimentado comércio de café nas primeiras décadas do século, o Café Guarany.

Não está claro se no local era apenas comércio de sacas ou se também funcionava torrefação e moagem, contudo em tempos passados era bem comum que um único estabelecimento fizesse todo o processo. As casas de torrefação nem sempre possuíam grandes chaminés, uma vez que o processo no início do século passado era feito em máquinas iguais ou similares a esta alemã da fotografia a seguir.

Máquina alemã antiga para a torrefação de café (clique para ampliar)

Observando o imóvel através de imagem de satélite foi possível constatar que no fundo da propriedade havia uma área aberta que posteriormente foi coberta, possivelmente para uso como moradia adicional. O sobrado é um padrão típico do pequeno industrial ou comerciante do início do século 20, com o piso superior sendo destinado originalmente para a moradia dos proprietários. O acesso ao andar “residencial” se dá até hoje pelo mesmo lugar, uma porta do lado esquerdo. Do lado direito uma porta idêntica dava acesso aos fundos da propriedade.

Na foto o andar superior, destinado ao uso residencial (clique para ampliar)

Tombado como patrimônio histórico o imóvel não pode sofrer alterações em sua fachada e é mantido em estado mediano de conservação. Todos os detalhes da fachada encontram-se preservados com apenas alguns balaústres danificados e um faltando, já janelas e madeiramentos permanecem preservados e em bom estado. No nível da rua apenas a porta esquerda original sobreviveu, enquanto a porta central (comercial) e a direita há muito tempo foram alteradas.

Na documentação do imóvel não há alteração quanto ao nome do proprietário desde 1939, ainda ligado a figura de Manuel de Campos Rodrigues, que muito provavelmente já é falecido. Após pesquisa na Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp) não encontrei resultados ligados a esta pessoa ou mesmo do Café Guarany, por se tratar de dados muito antigos. Contudo ao consultar a lista de endereços da época para atestar a localização do estabelecimento.

o campo em verde indica o local, numeração e telefone para os anos de 1937/38

Já muitos anos depois, na década de 60, o Café Guarany aparentemente não existia mais pois o telefone de 1963 está registrado em nome de pessoa física, Antônio Souza Cunha. Veja a seguir:

As referências para o nome citado na lista acima são bastante escassas, bem como outro nome que surge neste endereço (número 582) durante a década de 50: Hércules Aldo Chiappetta, que recebe autuações em seu estabelecimento em 1951. Atualmente o imóvel mantém o padrão do início do século passado, com moradia no andar superior e atividade comercial no piso térreo.

Das várias construções antigas e centenárias da rua Major Diogo, essa é uma das mais preciosas. Veja abaixo mais fotos:

Notas:

*1 – Apesar de existir, o café para exportação em sacas era usualmente em grãos e raramente moído.
*2 – Existiu um outro Café Guarany, bem mais famoso por sinal, localizado na rua 15 de novembro. A semelhança se dava apenas com o nome pois o outro era um restaurante/café/leiteria e de outro proprietário.
*3 – Dados públicos prontos para a consulta de qualquer cidadão.

Bibliografia consultada:

Jornal de Notícias – Edição de 4/3/1951 pp 4
Bela Vista, história dos bairros de São Paulo – Marzola, Nádia (1985)
O Livro Vermelho dos Telefones 10a Edição – 1937/1938
Guia dos Telefones (CTB) – Assinantes de São Paulo para o ano de 1961

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Respostas de 12

  1. Sobre o café Guarany da rua Major Diogo…
    Você não encontrou registros da torrefação a partir de certa data, mas quero informar que lembro de ter ido mais de uma vez comprar café moído na hora, com minha avó, que morava na rua São Domingos, a um imóvel que me parece esse mesmo, entre os anos de 1966/1967. Lembro até hoje o cheiro forte do café sendo torrado. Dificilmente seria outro imóvel, a menos que houvesse outra torrefação muito próxima!
    Na mesma época lembro de ir com frequência a uma fábrica de paçoca de amendoim (Paçoca São Domingos), que minha avó comprava em caixas e que eu adorava. A fábrica ficava na continuação da rua São Domingos, hoje rua Luis Porrio, do outro lado que hoje é o viaduto da ligação Leste-Oeste,numa época em que essa passagem era ainda livre, apesar das obras já iniciadas.
    A antiga Vila Zammataro também fez parte da minha infância. Saudades imensas da antiga Bela Vista!

  2. Olá Douglas, saudações, boa tarde! Gostaria de saber como acessar os Livros Vermelhso dos Telefones e os Guias dos Telefones (CTB) – Assinantes de São Paulo. Atenciosamente, Sadrac

      1. O trabalho deste portal é interessantíssimo. Como arquitetura, memória urbanística, e um retrato da história das famílias, suas soluções de moradia e ocupação do espaço, num recorte que retrata o percurso dos vários extratos do que convencionamos chamar de classe média. Às vezes, fragmentos do que foi antes a expressão máxima das moradias da elite da cidade, seus rastro. Alguns destes, que encontraram possibilidade de renovação e continuam a ser símbolos de riqueza e outros simplesmente são um retrato da interrupção do poderio econômico, ruínas de um tempo passado.
        São Paulo Antiga mostra lugares que nunca tinha visto, faxadas que já havia observado em algum lugar e outras que não sabia que ainda existiam.
        Permanência, alternância e apagamento coexistem de maneira selvagem e desleal em São Paulo.
        Parabéns pelo trabalho!

        1. O Bixiga da belle époque e ainda transpirando cultura italiana deve ter sido um um lugar maravilhoso, oxalá tivesse vivido nessa época.

  3. E muito emocionante ver as coisas do passado
    Parabéns pra esta pessoa que fez essa matéria.
    Um feliz Natal.
    Eu sou jose candido.
    De sao paulo .capital.
    Fui morador por muitos anos na bela vista

  4. Boa noite.
    Muito boas essas postagens sobre casas antigas. Eu admiro muito e amo ver esses imóveis antigos… Me pego imaginando como seria aquela época, com as pessoas, as famílias desse tempo , e até fico me imaginando eu nessa época. Inclusive, gosto de ver vídeos de casas abandonados e em ruínas no YouTube. Obrigado Douglas por suas postagens

    1. Excelente publicação!
      Meu pai nasceu neste sobrado em 1933, no número 580. Na lista telefônica de 1937 no 484 morava o tio dele, Sebastião, e na lista de 1963 no 580 aparece D Brasília, que era a mãe dele.

  5. Eu trabalho próximo da Rua Major Diogo e passo de frente à esse imóvel de vez em quando, embaixo funciona uma marcenaria e no pavimento superior aparenta ser uma pensão. Parabéns pelo trabalho.

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