Estádio Ricardo Severo

A capital paulista é bem servida de estádios, dede campos de várzea até as modernas arenas multiuso, sendo que em São Paulo não faltam gramados para os times de futebol entrarem em campo. Todos os grandes times paulistanos tem seus devidos estádios e até time menores, mas não menos importantes, como Juventus e Nacional também.

E neste artigo focaremos sobre um momento curioso de um querido clube paulista cuja história de seus estádios tem uma parte importante que permanece até este momento desconhecida da grande maioria dos paulistanos e amantes do futebol: A Associação Portuguesa de Desportos ou, se preferirem, a Lusa.

Fundada em agosto de 1920 a Portuguesa é fruto da união de cinco sociedades da colônia lusitana existentes naquele momento na capital paulista: Lusíadas, 5 de Outubro, Lusitano, Marquês de Pombal e Portugal Marinhense. Esse clubes separados como eram até 1920 não eram páreo para outras agremiações de colônia, estas unificadas, como Sírio, Germânia ou mesmo o Palestra Itália. A união destas cinco pequenas agremiações deu grande força à Portuguesa de Esportes que surgia como uma nova força do futebol e em outras atividades esportivas, além de fortes atividades sociais.

Entre todas as sociedades formadoras da Portuguesa, uma delas era a mais relevante e atuante: a Associação 5 de Outubro, cuja sede social ficava na rua Domingos Paiva e seu campo de futebol na rua Conselheiro Lafaiete, ambas no agitado bairro do Brás.

Para contar a história do estádio da Portuguesa jamais construído vamos focar na evolução do clube entre 1920 e 1940 e seu primeiro campo de futebol.

NO CAMBUCI, O PRIMEIRO ESTÁDIO:

Tão logo a Portuguesa começou a disputar os torneios futebolísticos seus dirigentes notaram que o clube precisava de um campo que permitisse ao time ser competitivo, já que o campo da rua Conselheiro Lafaiete era completamente amador e sem estrutura, e logo foi vendido. Isso se agravou ainda mais após 1922, ano que a parceria com o Mackenzie se encerrou.

Jogadores de Germânia e Portuguesa em jogo disputado no campo da Rua Cesário Ramalho, em 1925 (clique para ampliar)

A primeira praça de esportes do clube surgiria em 1925 com a aquisição, no ano anterior, do campo da União Artística e Recreativa do Cambuci. A localização era ótima, bem na região central da cidade e praticamente aos pés da colina da Paróquia São Joaquim, uma importante referência daquele bairro.

Se era bem localizado, por outro lado o estádio adquirido estava em péssimo estado de conservação e demandou uma grande reforma por parte da Portuguesa, que precisou realizar campanhas e aumentar a mensalidade dos associados para bancar os custos da reforma (vide documento do clube no final deste artigo).

A BUSCA PELO NOVO TERRENO:

O novo campo era ótimo mas a localização apesar de privilegiada tinha problemas. A área era relativamente próxima do rio Tamanduateí e não eram raras as enchentes. Algumas delas, como a de 1929, foram tão intensas que inundavam por completo o bairro e o estádio, inviabilizando a prática do futebol. E foi neste ano cansados de sofrer com enchentes que os dirigentes da Portuguesa foram atrás de uma outra área para a construção de um novo estádio de futebol.

Estádio da rua Cesário Ramalho inundado após enchente em 1928. Ao fundo a arquibancada (clique para ampliar).

A escolha da área para abrigar o futuro estádio foi fruto de um extenso estudo sobre qual seria a região ideal para erguer um novo estádio. Acesso fácil, preço de terreno acessível e uma área com grande terreno disponível eram os quesitos para tirar o projeto do papel. E a área escolhida foi relativamente próxima do Cambuci, o elegante bairro do Ipiranga.

O Ipiranga já era no final da década de 1920 um bairro bastante aprazível. Ao redor do Museu Paulista inúmeros palacetes foram erguidos como os pertencentes à família Jafet. E foi ali que os dirigentes da Portuguesa adquiriram de Diego Carcamuro, por 570.000 contos de réis um grande lote para a construção não apenas do estádio, mas do que viria a ser o primeiro clube da Portuguesa por assim dizer.

O terreno comprado ficava nada menos que ao lado do Monumento à Independência, na avenida Tereza Cristina, trecho que depois seria rebatizado de avenida Ricardo Jafet.

Neste recorte do mapa de São Paulo de 1930 o local do terreno da Portuguesa está indicado com a seta vermelha (clique para ampliar)

UM CLUBE COMPLETO:

Até aquele momento a Portuguesa tinha uma sede esportiva em um local, o Cambuci, e a sede social em outra, no centro de São Paulo. O clube, por assim dizer, estava localizado no Largo de São Francisco número 5, no que era chamado de “sede central”.

A aquisição do novo terreno ia permitir finalmente que tudo ficasse em um só lugar. Era um sonho que estava prestes a tornar-se realidade. O novo terreno era amplo, com 88.000m² e permitiria que tudo que a diretoria rubro-verde desejasse fosse construído.

Área total do terreno da Portuguesa em planta do arquiteto Ricardo Severo (Crédito: FAUUSP)

O próximo passo era ir atrás de um arquiteto que fosse capaz de colocar em prática o audacioso plano da Portuguesa e não demoraram a encontrar esse nome.

UM ARQUITETO RENOMADO:

A escolha do nome para executar o projeto arquitetônico surgiu de dentro do próprio clube: Ricardo Severo. Um dos grandes intelectuais da colônia portuguesa radicada no Brasil, Severo nasceu em Portugal em 1869 e veio para o Brasil exilado, após ter se envolvido em um movimento revolucionário contra a monarquia lusitana. Arquiteto, engenheiro, escritor e arqueólogo era ativo no cotidiano do clube e sócio do célebre arquiteto paulistano Ramos de Azevedo.

Procurado em 1929 para idealizar o projeto, aceitou prontamente. E a escolha era a melhor possível pois Ricardo Severo já tinha em seu currículo projetado várias obras ligadas à colônia portuguesa no Brasil, como as Beneficências Portuguesas de Campinas e de Santos, a sede do Banco Português em São Paulo e do estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, pertencente ao Vasco da Gama.

Ricardo Severo em fotografia de meados da década de 1930

PROJETO ADIADO:

Uma vez conduzido por Ricardo Severo, figura de renome na sociedade paulistana, o projeto do clube logo chegou aos ouvidos da imprensa sendo anunciado por todos os jornais da época. O novo complexo que abrigaria do futebol ao social da Portuguesa foi abraçado calorosamente pela população e pelas autoridades, que não mediram esforços em auxiliar o clube rubro-verde a realizar seu projeto.

Apesar de a planta ser um oferecimento sem custo de Severo, faltava ao clube o essencial para o início das obras: dinheiro. E assim mesmo com o projeto da nova sede pronta e uma maquete apresentada ao público, o sonho de iniciar a construção só se tornaria realidade em 1940.

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Naquele momento que era iminente a construção do estádio a Portuguesa já tinha decidido que o estádio homenagearia seu autor, Ricardo Severo. Debilitado não chegou a ver esta homenagem, falecendo em 3 de abril do mesmo ano.

A PEDRA FUNDAMENTAL

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O dia 9 de junho de 1940 foi um grande acontecimento para a colônia lusitana em São Paulo. Foi a data escolhida para a colocação da pedra fundamental do que em alguns anos viria a ser não só o estádio da Portuguesa mas todas as dependências do clube.

Seria um exagero dizer que o evento parou a cidade, mas foi acompanhado por uma multidão de torcedores do clube, moradores do Ipiranga, imprensa e autoridades políticas, militares e religiosas que se dirigiram para lançamento da pedra fundamental e apresentação oficial da planta e maquete.

Estiveram presentes ao evento representantes do interventor federal em São Paulo, o prefeito municipal Prestes Maia, o cônsul de Portugal em São Paulo, além do cônego José Maria Fernandes, esse último responsável pela missa campal que deu início à cerimônia.

O ESTÁDIO RICARDO SEVERO:

Elevação e corte transversal do projeto do Estádio Luso feito por Ricardo Severo (clique para ampliar)

O projeto era grandioso e estimado para comportar até 30.000 pessoas confortavelmente no estádio, cujas medidas do campo eram de 105 x 65m. Além do estádio seriam construídos no local área para orquestra, biblioteca, duas quadras de tênis, escritórios, salão social, ginásio, piscina olímpica, refeitórios, alojamentos e outras salas menores.

Abaixo as imagens – inéditas até publicarmos aqui – das plantas do complexo da avenida Tereza Cristina (clique na miniatura para ampliar).

A CRISE E O FIM DO SONHO:

Apesar da empolgação inicial, nada além da pedra fundamental sairia do papel. O início da década de 1940 culmina com o fim de uma era vencedora nos gramados. Em 1935 e 1936 a Portuguesa havia se consagrado bicampeã paulista e ostentado um vice em 1940. Mas as glórias trouxeram junto um grande endividamento do clube que estava à beira de falir.

Em um situação similar à vivida pela Portuguesa recentemente, o clube sofria com crises políticas, dívidas, ações na justiça e impostos atrasados. Para evitar seu fim foi necessário adiar o sonho de um novo estádio e sede social, colocando o terreno da avenida Tereza Cristina à venda.

Em 1942, dois anos depois da colocação da pedra fundamental o terreno do Ipiranga foi vendido para uma incorporadora por 800.000 contos de réis. Era o fim de um sonho que só voltaria a ser realidade em 1956 com a compra da área no Canindé e a inauguração do estádio Ilha da Madeira em 11 de novembro daquele ano. Mas essa história vocês já conhecem.

GALERIA DE RECORTES – ESTÁDIO RICARDO SEVERO:

NOTAS:

*1 – Posteriormente o clube alteraria sua denominação para Associação Portuguesa de Desportos
*2 – Em comparação a área total do Estádio Dr. Oswaldo Teixeira Duarte e demais dependências somam 100.000 m²
*3 – Em comparação o campo do Estádio Dr. Oswaldo Teixeira Duarte mede 105x68m

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

* Estampa Esportiva – Edição de 29/12/1924
* A Cigarra – Edição 246 / Fevereiro de 1925
* Folha da Noite – Edição de 15/8/1929
* A Gazeta – Edição de 19/8/1929
* Colónia Portuguesa – 8/6/1930
* Correio Paulistano – Edição de 22/2/1936
* Correio Paulistano – Edições de 6 de março, 7 e 8 de junho de 1940
* Revista Flamma – Edição de maio de 1940
* Lusa 100 anos de amor e luta – Onze Cultural/2020 – pp 36 a 39
* Documentos consultados no museu histórico da Associação Portuguesa de Desportos

AGRADECIMENTO ESPECIAL:

FAUUSP – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo pela cessão das plantas do projeto arquitetônico que foram fundamentais para a realização deste artigo.

VITAL VIEIRA CURTO – Torcedor da Portuguesa e grande amigo, que me contou esta história anos atrás e não imaginava que a planta do projeto havia sobrevivido.

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Respostas de 6

  1. E o esse “atual” estádio da Portuguesa, é bem legal, de fácil acesso, etc. O problema é que, semelhante a vários monumentos paulistanos, ele está com uma aparência de abandono. Aliás, as dependências do clube, que podem ser vistas da Marginal Tietê, não estão com uma boa aparência, não. Mais uma pena para a nossa coleção…
    Talvez uma multinacional seria uma bela alavanca para a Lusa, a exemplo do que fez a Parmalat com o Palmeiras no início dos anos 90. Ou talvez…o Cristiano Ronaldo…talvez…quem sabe…

  2. O Estadio da APD poderia atrair publico porem….
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    Pessimo estado de conservacao. Nao e o time que atrai o espectador, e a experiencia de se assistir um jogo ao vivo. Nela se encompassa o nível de conforto, segurança, atrações paralelas, conjunto arquitetônico, concessões ( comes & bebes e mercadorias ). Vê se concreto pintado nas arquibancadas, onde deveriam haver cadeiras ( aco reforcado e fincado no concreto resolveria o problema com vandalismo ).
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    Digam alo ao Autozone Park em Memphis, TN do Memphis Redbirds. Liga inferior ( AAA), sem receita de transmissoes de TV. A folha de pagamento e mantida pelo time superior ( St Lous Cardinals ).
    http://www.ballparkreviews.com/template2.php?in_name=Autozone+Park&in_city=Memphis&in_state=Tennessee
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    Notem nas fotos, o conjunto arquitetonico com detalhes em tijolo exposto ( Entrada Principal ) , arquibancadas confortaveis, areas de confraternizacao ( mesas com cadeiras presas ao chao ). Este sim e um ambiente convidativo.
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    Um outro exemplo e o Durham Bull Athletic Park…http://www.ballparkreviews.com/template2.php?in_name=Durham+Bulls+Athletic+Park&in_city=Durham&in_state=North%20Carolina
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    Vejam um conjunto de fotos meus de como o Estadio se integra ao um completo, outrora depositos de tabaco, a escritorios, apartamentos, comercio..

    American Tobacco Campus – 359 Blackwell Street – Durham, NC 27701 USA
    https://photos.app.goo.gl/HHXCxPtv2GqLRawZ9

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    Nao e so dentro do estadio que a experiencia se faz sentir…. O entorno a volta tambem atrai o torcedor, mesmo o mais casual, a ir ao estadio.
    E o que se experimenta em estadios grandes e pequenos ( Wrigley Field, Fenway Park, Camden Yards ). E aonde ele ira se reunir com amigos antes do jogo, beber, comer.
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    Para um clube de tradicao patrimonialista, a APD tem um corpo administrativo bem retrogado.

  3. se fosse possível construir um novo estádio, acho que o proposto pelo Severo (seria ele a inspiração para a mascote Severa?), seria legal visto que a nossa torcida não é muito numerosa mesmo, 30 mil já é pouco mais do que comporta o Canindé.

    1. Ricardo Severo foi um engenheiro português que veio para o Brasil após a queda da monarquia em Portugal e o início da República, ele era monarquista e foi perseguido. em são Paulo se juntou a Ramos de Azevedo e trabalharam no mesmo escritório… O apelido Severa veio de um filme português, o primeiro falado, que passou em cinemas na capital, era sobre uma cantora de fados que estava muito a frente de seu tempo, o nome era Severa, e logo associaram esse nome à Portuguesa pois era Severa nos clássicos, ganhava do Corinthians, Palestra, …, e severa com a sua própria torcida, pois perdia pontos para equipes pequenas como JAbaquara e Nacional..

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