Um marco da arquitetura brutalista paulista agoniza na Represa do Guarapiranga.
Muitas pessoas simplificam a imagem da cidade de São Paulo como a notável “Selva de Pedra”. Pouco verde, muito concreto, muita poluição, poucos pássaros. E os edifícios paulistanos tem um espaço especial na história do desenvolvimento da nossa cidade.
Da arquitetura colonial paulista passando pelas mãos de Bento de Oliveira Lima, o eclético de Ramos de Azevedo e os grandes prédios com fachada de vidro que hoje rasgam avenidas como a Eng. Luiz Carlos Berrini, expressam a história da cidade. Em cada prédio, um arquiteto e nisso São Paulo é o berço do Brasil.
E entre tantas formas arquitetônicas que São Paulo nos proporciona, tem uma em especial e peculiar: o Brutalismo Paulista.
Não precisa ficar assustado com esse nome, porque de brutal não tem nada. É a forma mais ampla e nítida que a arquitetura pode nos proporcionar. O Brutalismo coloca os elementos estruturais à vista da população. O concreto armado, vigas e pilares ficam a mostra, optando por deixar aparente e assim manifestando o rigor geométrico que a arquitetura possui.
O Brutalismo não nasceu em São Paulo. Foi uma tendência arquitetônica europeia que se popularizou nas décadas de 50 a 70 em forma de casas populares, fábricas e departamentos públicos.
Um dos mentores do Brutalismo foi o arquiteto e urbanista franco-suíço Le Corbusier que chegou a visitar as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e elaborou planos diretores para essas urbes.
Esta tendência arquitetônica influenciou vários arquitetos brasileiros que residiam em São Paulo como Ruy Ohtake, Paulo Mendes da Rocha e João Batista Vilanova Artigas, este último, por sua vez, que em junho de 2015 estaria completando seu centenário de nascimento.
Nascido em Curitiba, Vilanova Artigas graduou-se pela Escola Politécnica (USP) e frequentou o Grupo Santa Helena. Autor de vários projetos importantes e de impacto sociológico, Artigas também foi criador da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU – USP). Inaugurado em 1969, o prédio é um dos melhores exemplos de arquitetura brutalista.
O impacto do brutalismo paulista é visível na sociedade, mas passa despercebido por várias pessoas. Exemplos não faltam tal como a Estação Armênia do Metrô projetada por Marcello Fragelli em 1968, o Centro Cultural São Paulo elaborado pelos arquitetos Eurico Prado Lopes e Luiz Telles em 1982 e o MASP por Lina Bo Bardi de 1968.
O que poucas pessoas sabem é que a primeira manifestação do brutalismo paulista ainda está de pé, a Garagem de Barcos do Clube Santa Paula, mais conhecido como o Santapaula Iate Clube (sim, santapaula escrito tudo junto).
Localizada às margens da represa do Guarapiranga, na avenida Atlântica, a Garagem de Barcos Santapaula foi projetada pelos arquitetos João Batista Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi. Sua construção foi de 1961 a 1964.
O projeto original era para ser um conjunto de prédios de hotéis. A obra foi iniciada na década de 50, porém abandonada pelo antigo proprietário. Em 1961, Artigas e Cascaldi assumem a reforma do complexo e a construção do que viria a ser o marco na arquitetura brasileira, o Iate Clube Santa Paula.
Conhecido também como Iate Clube 61, este complexo mudou a face do então pacato bairro de Interlagos que estava sendo loteado e ganhando a atenção de empreendedores.
Adelino Borelli, presidente da Santapaula Melhoramentos uma empresa de administração, loteamento e imobiliária, viu a capacidade que Interlagos possuía e que poderia beneficiar o lazer dos paulistanos. A represa de Guarapiranga já era conhecida como a praia de São Paulo, porém sem nenhuma infraestrutura para as pessoas desfrutarem o dia por ali.
Inaugurado em 1964, Santapaula Iate Clube logo se tornou ilustre. O complexo possuía amplas dependências sociais como piscinas, saunas, restaurante, postos de controle, embarcadouro e oficina para os iates, já que era o maior complexo de iate clube da América do Sul. Havia uma extensa estrutura para os associados poderem desfrutar o que a represa de Guarapiranga oferecia.
Um refúgio para quem não queria perder tempo em congestionamentos para o litoral, Santapaula virou o point da moçada. Em 1973 o cantor Roberto Carlos chegou a se apresentar no Iate Clube arrastando milhares de pessoas.
Santapaula tinha tudo pra ser um sucesso, mas começou a entrar em decadência. Em meados da década 80, o Iate Clube já não era mais o mesmo. Não sabemos efetivamente o motivo do fechamento, mas gradativamente o espaço foi encerrando as suas atividades.
Hoje o marco da arquitetura brutalista está abandonado. Maltratado pela ação do tempo, o antigo clube tem problemas de infiltração que estão em toda parte. As vigas de sustentação estão esfarelando. A ferrugem das estruturas faz parte do cotidiano, além de pichações por toda a parte.
Mesmo com tantas dificuldades, o antigo Santapaula Iate Clube foi tombado em 2007 pelo Conpresp, ou seja, o recinto não pode ser demolido, mas com tantos problemas, é fácil afirmar que algumas partes do complexo correm certo risco de cair.
Em 2010, visando os turistas que viriam a São Paulo em virtude da Copa do Mundo FIFA 2014, foi aprovado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico de São Paulo (Conpresp) o projeto de restauro do complexo.
O Santapaula Iate Clube seria inteiramente reformado para dar lugar a um complexo hoteleiro e centro de convenções.
Passado quatro anos da aprovação pelo Conpresp e um ano da Copa do Mundo, nada foi feito por ali. O custo previsto apenas para a primeira fase do audacioso projeto seria de R$10 milhões. O proprietário do local é um grupo de empresas do ramo têxtil.
Que o futuro seja generoso com este marco do brutalismo paulista.
O CENTENÁRIO DE ARTIGAS
Se estivesse vivo João Batista Vilanova Artigas teria completado 100 anos em junho de 2015. Estão previstas várias comemorações como lançamento de documentário, livros e uma exposição sobre sua trajetória.
Artigas merece mais do que isso. Merece que suas obras sejam restauradas e respeitadas pela população e principalmente pelo poder público. O Iate Clube Santapaula está aguardando por este momento.
Esperamos que isto não demore a chegar.
Veja mais fotos do Santapaula Iate Clube (clique na foto para ampliar):
Respostas de 41
Excelente matéria e como todas, sempre tocando e calando fundo em nosso Coração. Minha família era sócia do Santapaula e o freqüentamos bastante nos saudosos anos 60. Na mesma época éramos também sócios do Círculo Militar de SP, no Ibirapuera. Parabéns a bela e graciosa Glaucia, fazendo escola/estilo de Jornalismo junto com o querido Douglas. Grande, forte e fraterno abraço. Shalom Aleihem! Paz Profunda!
L. Lafan.
Muito interessante …e triste !!! Um monumento Arquitetonico abandonado , sem uso e sem manutenção !!!! Mas sua estória é rica e demonstra que o “concreto já teve alma de artista” !!!!!
Se questionar o prefeito sobre o vandalismo ele vai dizer que a pichação deu ênfase à magnifica obra de Artigas.
Trata-se de imóvel particular. A questão das pichações é do metiér da segurança pública. Nem por isso, atacarei o Governador, mesmo porque é impossível colocar uma viatura em cada esquina para proteger imóveis de pichadores. Cuide do fígado, jovem.
Se tivesse algum interesse financeiro a prefeitura já teria demolido !
Pior que é verdade, concordo com você, vendo essa matéria lembrei do vídeo do Roger Scruton, “Porque a beleza importa”, onde o filósofo britânico explica como a estética da feiúra da arte moderna só encontra plenitude no vandalismo visto que é uma perspectiva para a negação de toda beleza, como esse monstrengo de concreto ai da matéria.
Muito interessante a matéria. Através dela pude saber o estilo arquitetônico da rodoviária de minha cidade. Jaú tem uma das rodoviárias mais bonitas do Brasil, já foi capa de revista francesa sobre arquitetura e urbanismo e foi projetada por Vilanova Artigas, entre outras obras, como Estádio Zezinho Magalhães, a Escola Estadual Tulio Espíndola de Castro e o projeto de um bairro, o Jardim Pedro Omettto. Orgulho dos jauenses, a rodoviária, a exemplo do Santapaula, também carece de atenção visando sua preservação. Nada foi feito na cidade para comemorar o centenário de Villanova Artigas.
Qual o atual proprietário desse ex-clube?
É um grupo de empresas do ramo têxtil, mas não se divulga qual.
Parabéns pela matéria.Uma grata e linda lembrança!Quem não se lembra do Santa Paula na represa de Guarapiranga? Velejávamos nos finais de semana nas décadas de 60 até 80 – meu pai e irmãos .Infelizmente mais uma obra arquitetônica abandonada entre tantas outras que estão sujas,pichadas…vítimas do descaso e incompetência e do poder público e da falta de educação e civilidade de uma minoria
Descaso, incompetência e falta de educação da iniciativa “Privada” que não é capaz de cuidar dos seus próprios bens.
Não teremos mas o google maps dos lugares?
Sim, está em manutenção…
Moro perto de lá. Conheço o local desde criança. Não me admira que o clube tenha cessado as atividades e a edificação abandonada. O que deu causa a isso, sem dúvida, foi a degradação absurda da represa, que hoje em dia não é nem sombra do foi a quarenta ou cinquenta anos. Diminuiu muito o espelho d`água, acho que uns 35% no mínimo. Em vez da outrora água cristalina e peixes como dourados e tabaranas na foz do rio Embu Mirim, restou apenas a água malcheirosa pela poluição e as doenças que nela se podem pegar.
Ainda me lembro das festas que se realizavam neste clube, eram sempre as mais baladas!
Pena que a deterioração tomou conta deste símbolo arquitectónico.
Caro Alan Davis, respeito sua opinião e o cuidado com minha saúde, no entanto, em minha resposta eu não me referi ao governador mas aproveitei a imagem do prefeito em que ele aparece explicitamente na matéria do dia 19/05 p.p da São Paulo Antiga que na oportunidade comentava o vandalismo praticado no relógio do antigo Mappin, parecendo demonstrar ser a favor da pichação.
Sem contar que infiltração é uma chaga do brutalismo: concreto sem tratamento e manutenção resulta nesses problemas…
Essa obra é do tempo em que “Brutalismo” era apenas um estilo arquitetônico… (para bom entendedor o “Cisco” significa “Francisco”) 😉 😉 😉 😉
Lamentável, muito triste, de cortar o coração ver a que foi reduzido o clube.
Quem seriam os atuais responsáveis por esse estado de coisas . . . Se o clube é proprietário da gleba, haveria uma formula para, pelo menos, restabelecer sua aparência. Uma série de entidades filantrópicas poderiam ser convocadas para uma recuperação ainda que parcial.
Todavia, tendo em vista sua localização, se não houver a intervenção da Secretaria da Segurança Pública, ora tão bem dirigida pelo Dr. Alexandre de Morais, não haverá maneira de conter a ação de vândalos, que estão delapidando um patrimônio da memoria paulistana.
A imprensa poderia dar um grande apoio no sentido de preservar o que ainda existe, mostrando in loco o que esta acontecendo, despertando a consciência de nossa população,
Estive nesse clube uma vez quando pequeno e me lembro bem dele,uma pena mesmo que não exista mais esse clube.
Na decada de 70 os meus pais adoravam jogar “Buraco” (jogo de cartas), sabados e domingos, o dia inteiro até nove ou dez horas da noite. Eu e filhos de outros jogadores ficavamos o dia inteiro “soltos” no clube sem problemas algum: jogavamos boliche, Ping-Pong, sinuca, parquinho (que tinha um escorregador do tipo foguete que eu adorava), ou jogavamos volei/futebol/basquete, piscine com trampolim e escorregadores (onde quebrei o meu dente uma vez), sauna, ou iamos pelo tunel para o lado da represa pescar, andar de barquinho, ver os barcos antigos de madeira, e até andar de kart. Foram mais de 10 anos indo todos os finais de semana. Carnavais e desfiles de moda, etc. Ah, e tinha um cinema tambem (mesmo tendo menos de 10 anos, eu vi o Laranja Mecanica, lá). De vez em quando eu fecho os olhos e consigo me imaginar andando por todos os corredores daquele lugar que era fantastico e muito seguro. Eu espero que um dia esse clube volte a ter a grandeza que um dia ele teve.
Olá Paulo!!! Consegui me transportar em sua descrição e pude visualizar tudo!!! Que momentos bons q vc teve!!!!
Eu tb fui socia neste periodo. Iamos todos os fds e eu adorava. Grandes mem’rias da minha infância são dali. As piscinas que eram enoormes ( ou eu que era pequena com minhas boias nos braços e tinha a sensação que elas eram gigantes ), o cinema, os bailinhos na matine de carnaval.
Lembro que enquanto meus pais almoçavam ficavamos circulando pelo clube que como vc disse, era muito seguro.
Saudades de um tempo gostoso
Gostaria de saber a fonte dos dados da matéria para poder me aprofundar no entendimento da obra
Uma pena mesmo meu Pai me levava a ele quando eu era criança ainda carrego nas memórias os passeios na guarapiranga, mas acabou e acho que dificilmente um dia voltará hoje meu Pai guarda o Barco no pier 26 no guarujá mas nunca essas manhãs e tardes se repetirão e tenho dó daqueles que não poderão ter isso como lembrança!
Fui lá na minha infância….A descrição do Paulo, acima, foi perfeita!!! (Meus Pais também ficavam no baralho-buraco)
Ótima matéria, me inspirou demais a falar desse assunto no meu blog, muito obrigado.
Parabéns pelo documentário sobre o Santa Paula Iate Clube, tenho 63 anos de idade, e moro na região de Interlagos desde 1958, e me lembro da construção do clube e também da Avenida Atlântica.
Moro atrás desse marco da arquitetura.
Minha mãe não soube me explicar o motivo de estar abandonado.
Vc saberia qual o motivo?
Eu, na época em que morava no Grajaú, passava diariamente em frente a essa construção. Sempre me questionava o que de fato era aquela obra. Não sabia que fazia parte do clube Santapaula, o qual a sede fica do outro lado da Avenida Atlântica e atualmente se encontra em ruínas.
Infelizmente, pelo menos em São Paulo, acredito que não haja muito espaço para clubes desse tipo. Os grandes condomínios-clubes, shoppings, facilidade em viajar para o litoral, entre outros fatores, diminuiram o interesse da população nesse tipo de lazer. Há clubes falidos por todo o país, poucos restaram. Talvez o poder público possa transformar o local em um grande centro cultural ou parque, como fizeram com o Clube Tietê.
Acredito que o Clube Santapaula por si só mereceria uma matéria completa! A bela postagem da Glaucia se refere apenas a garagem de barcos, mas a construção do edifício em frente a garagem tem toda uma história a parte.
Foi construído para abrigar um cassino, porém com a proibição dos jogos no pais, a construção foi interrompida e abandonada por anos, quando finalmente foi adquirida para se tornar o que viria a ser o Clube Santapaula, tendo suas obras finalizadas – nesse período foi construída a garagem de barcos da postagem. O clube encerrou suas atividades nos anos 80.
No começo dos anos 2000 o prédio chegou a abrigar uma indústria têxtil, e atualmente toda a área do clube está a venda por R$200 milhões.
Muito interessante a matéria. Mais interessate ainda é saber sobre que fim deu desde clube após 1961. É uma pena que este prédio esteja em processo de deterioração.
Fernando Antonio Rodrigues
Em 1970, era funcionario da Santapaula Melhoramentos, administradora do Santapaula Iate Clube e aos sábados e domingos, trabalhava na secretaria. Além de receber horas extras, tinha grande prazer em passar o final de semana em lugar tão bonito. Embora, esteja tombado, reconheço a importância difiuldade de preservação.
Ola Fernandes!
Interessante saber que você trabalhou nesse clube na década de 70, possivelmente conheceu meu avô… Pode entrar em contato comigo? ilma_pss@hotmail.com
Estou fazendo uma pesquisa.
Obrigada
Caro Fernando, também trabalhei na Santapaula no mesmo período da construção, participei da construção desse clube, trabalhava na área de compras e também trabalha nos finais de semana, participei no primeiro baile carnavalesco logo em seguida da inauguração do clube, fique triste de saber que está nessa situação.
Parabens à Glaucia Garcia, pela excelente pesquisa.
Gostei da matéria. Rica em detalhes. Parabéns.
Amei suas fotos, o Santapaula Iate Clube sempre foi um tema recorrente no meu blog, Parabéns aos envolvidos nesta matéria.
Me apaixonei quando vi o lugar, passo sempre em frente, mais nunca tive oportunidade de conhecer, sera que eles autorizam a entrada ?
Pessoal, o SantaPaula está com bloqueio judicial pois em meados de 2010 uma família passeava por lá e o segurança abordou de forma ríspida e na discussão ele partiu por racismo, só que o senhor em questão era juiz federal e levantou todas as pendências do local e bloqueou pra qualquer tipo de transação, está embargado o local.
como estava o local em 01/24: https://maps.app.goo.gl/hganbZ33wDzUH9468