Quem hoje transita pela movimentada avenida São João pode não imaginar o quão estreita era esta via há pouco mais de 100 anos atrás, no início do século 20. Poucos também sabem que, no trecho desta avenida que hoje é parte do boulevard do vale do Anhangabaú, existiu este edifício de arquitetura bem interessante e de existência relativamente curta:
Mas antes de falar sobre este belo edifício, vamos falar um pouco de como era a região antes dele surgir.
O LOCAL ANTES DO CINEMA CENTRAL:
Pertencente a Cia Antarctica Paulista, empresa naquela época proprietária de alguns terrenos na região do vale do Anhangabaú, o prédio que abrigaria inicialmente o Cinema Central foi uma das primeiras obras da então nova avenida São João, no final de 1916. Neste mesmo local, até 1914, funcionavam duas salas de exibições bem conhecidas dos paulistanos daquela época: O Bijou Theatre e o Polytheama.
O local onde estavam os dois velhos estabelecimentos já pertenciam à Antarctica, mas estavam no meio de uma discussão por parte das autoridades municipais que envolvia tanto o alargamento da rua de São João para transformá-la em uma grande avenida, quanto a discussão de uma nova via que se chamaria avenida Anhangabaú.
O que aceleraria a renovação viária e o surgimento deste novo edifício, foi o trágico acontecimento ocorrido dias depois do natal de 1914: o incêndio do Polytheama,
O Polytheama foi consumido pelas chamas no final da tarde do dia 27 de dezembro de 1914, apenas algumas horas após o término da matinê, que estava lotada de crianças e adolescentes. Uma chuva torrencial que caiu em São Paulo ocasionou um curto circuito no imóvel que se alastrou rapidamente, facilitado pelo fato da construção ser quase que totalmente de madeira e zinco (este último no telhado).
Quando o fogo foi dominado e apagado não restava mais nada do velho Polytheama exceto por pilhas de entulho e madeira queimada. As chamas também comprometeram a estrutura de alguns imóveis vizinhos, entre eles o Bijou Theatre.
SURGE UM NOVO EDIFÍCIO EM SÃO PAULO:
Alguns meses depois do incêndio, já no ano de 1915, a área começou a ser limpa para a construção do novo prédio por parte da Cia Antarctica Paulista, juntamente com as reformas da velha rua de São João que começava a ficar mais ampla e moderna.
O novo imóvel ficava exatamente no local do antigo Bijou Theatre, vizinho do Polytheama que foi incendiado, enquanto parte do terreno foi entregue a municipalidade. O problema é que o prédio já surgia em meio a uma confusão, pois ele não deveria ter sua construção permitida pois atrapalharia o já conhecido projeto de reformulação do vale do Anhangabaú.
Enquanto o imóvel era erguido, o caso foi parar na Câmara Municipal de São Paulo que na sua 8a Sessão Ordinária do dia 19 de fevereiro de 1916, discutiu a real utilidade da construção do prédio já que a área deveria ser usada para abertura da futura avenida Anhangabaú.
Apesar das polêmicas o projeto foi autorizado e as obras prosseguiram. Sendo assim, exatamente dois anos depois do fatídico incêndio, como que em um homenagem aos velhos cinemas que ali existiram, foi inaugurado com muita pompa o edifício e o novíssimo Cinema Central:
Tanto o cinema como o prédio em si logo deram novos ares a até pouco tempo acanhada rua de São João que passava a ser uma grande avenida. Bem diante do edifício (e ao lado famoso Prédio dos Correios) foi feita a Praça Giuseppe Verdi, com um grande monumento em seu centro (hoje o monumento fica em outro canto do Vale do Anhangabaú).
O prédio do Cinema Central foi um dos grandes impulsionadores da rápida urbanização da avenida São João que logo receberia outras construções grandiosas, como principalmente o Prédio Martinelli cuja construção se iniciaria em 1924.
Apesar da empolgação inicial, o Cinema Central não teria vida longa e logo nos primeiros anos da década de 20 encerraria suas atividades. O prédio seria vendido ao Governo Federal que logo o adaptaria para que ali se tornasse a Collectoria Federal (grafia da época) ou, como passou a ser conhecido mais adiante, Prédio Fiscal.
E foi como repartição pública federal que este prédio teria sua função mais duradoura, até a segunda metade da década de 40. A vida deste prédio parecia, desde sua construção, estar marcada para ser curta.
O PROJETO DA AVENIDA ANHANGABAÚ:
Foi no início dos anos 1940 que a discussão já antiga sobre a futura Avenida Anhangabaú seria retomada com bastante fôlego. O Prefeito Prestes Maia e seu plano de Avenidas previa integrar o vale do Anhangabaú com a avenida Tiradentes, mas para isso era preciso remover o maior obstáculo ao projeto: O Prédio Fiscal.
Isso se devia ao fato do prédio construído em 1916 ficar “de costas” para o vale do Anhangabaú servindo como uma espécie de barreira. Entretanto, seria preciso negociar com a União já que por ser um prédio federal não bastava uma simples desapropriação. Além disso, seria necessário pensar em um novo endereço para abrigar as funções do prédio fiscal.
Foi assim que em 1941 Prestes Maia viajou ao Rio de Janeiro para iniciar conversações sobre o prédio. A negociação demoraria anos e só seria resolvida em fevereiro de 1943, quando a Prefeitura de São Paulo acertou com o Governo Federal a compra do Prédio Fiscal pela quantia de Cr$ 7.027.000,00 (sete milhões e vinte sete mil cruzeiros).
Após a venda do imóvel a repartição federal ali instalada levaria vários anos para se mudar para suas novas instalações e o prédio só seria desocupado completamente no final de 1946.
O FIM DO PRÉDIO FISCAL:
Após todos os anos de impasse, negociação e desocupação do imóvel, era o momento de começar a colocar abaixo aquele prédio que praticamente adiou por cerca de uma década a remodelação do Anhangabaú. A demolição do Prédio Fiscal se iniciou em 22 de fevereiro de 1947. Entre a demolição e o término das obras que ligariam o vale do Anhangabaú até a avenida Tiradentes seriam mais cinco longos anos.
Era o fim da linha do prédio do Cinema Central e posteriormente Prédio Fiscal, cuja existência foi de apenas 30 anos. O quadro abaixo mostra a evolução das obras, desde a desocupação do prédio em 1946 ao famoso “Buraco do Adhemar” já em 1952.
Essa famosa passagem subterrânea sob a Avenida São João não estava no projeto inicial de ligação entre as duas vias que se encontraram após a demolição do Prédio Fiscal. No entanto, durante as obras viárias, o então Governador de São Paulo, Adhemar de Barros, achou que não seria uma boa ideia ter ali um caótico cruzamento e solicitou o projeto de um pequeno túnel. A mudança no projeto trouxe aumento de custo e um certo atraso na inauguração da obra viária e rendeu o malicioso apelido de “Buraco do Adhemar“.
Respostas de 27
Fantástico! A foto com a montagem dos 6 anos de demolição é excepcional. Uma pena como sempre, o famoso preço do progresso que aqui se diz.
Que matéria bem escrita. Que esmero. Parabéns Douglas!!!
Agora que li e vi todas fotos. Posso contar que nos anos l940 para frente, eu, como ofice boy, ia Coletoria Federal, comprar “SELOS’ que eram o Imposto Federal, a ser pago, colando os selos nas mercadorias vendidas. Lembro também da inauguração do “Buraco do Ademar”, sempre alagado, depois de qualquer chuva.
O nome pelo qual ele era mais conhecido era ^Predio da Delegacia Fiscal” ou “Palacete Fiscal”.
Lembro-me que já chegou a ser apelidado de “Bolo de Noiva” também.
nasci no fim da decada de 50, mas adoro sampa, sou da zona leste, penha de frança, porem nasci na lapa na zona oeste, adoro esta cidade que na minha opinião a CAPITAL DA AMERICA DO SUL, pode acreditar.
Maravilha..texto, fotos
e a História!!
Por acaso esse “Buraco do Adhemar” foi aproveitado na revitalização do Anhangabaú? Parece ser o mesmo local.
Matéria brilhante, como sempre. Parabéns!!!
muito boa essa matéria, o prédio foi demolido quando nasci…..não conhecia essa passagem da história.
Adorei o site. Parabéns!
E aquela estátua de anjo à esquerda, na primeira imagem. Será que foi salva?
Olá Christian, como vai ?
Aquela estátua é o monumento em homenagem a Giuseppe Verdi e continua no Vale do Anhangabaú. Saiu daquele ponto e foi instalada em um canto do vale, onde tem uma escadaria que dá na rua Líbero Badaró
Estou montando um tour pela cidade antiga e o Vale do Anhangabaú em breve e estou tentando ler tudo sobre o local pra não ficar perdido lá, além dos prédios, estou tentando descobrir a história da maioria das estátuas e monumentos.
Obrigado pela resposta!
Belo prédio construído no lugar errado. hehe
Não se fazem mais prédios bonitos assim.
Que bizarro, a 7ª imagem parece a foto de uma cidade da Bavária Estou falando porque parece mesmo.
Um belíssimo prédio, numa localização infeliz… Parabéns pela excelente pesquisa, tanto histórica quanto iconográfica! ET.: O Anhangabaú só perde para o Parque Dom Pedro 2º, em termos de “paulistanidade”. Opinião muito pessoal, claro.
Como é que deixaram construir o prédio , se já havia o projeto de alargamento da avenida ? E ainda mais , o Governo Federal comprou -o , e a Prefeitura comprou-o de volta . Quem acabou pagando por isto ?
Douglas, existem duas fotos, uma de antes e durante a construção da Cinema Central & Delegacia Fiscal, aqui: http://hagopgaragem.com/sp_comparativo7.html, imagens 396 e 397.
Seria legal colocar na matéria.
Douglas obrigado boa tarde vc tem historia de dois predios de mais de 10 andares do lado do VIADUTO DO CHA indo do lado direito para a sao joao que foram demolidos????abração
e tambem sobre o rio anhangabau -sabe dizer sobre o rio, por isso enche de agua no buraco do ademar pq o rio anhangabau sai da praça das bendeiras e desagua no tiete…tens fotos ou sabe alguama coisa, e sobre os dois predios sabe dizer -abração…
Douglas, Na quarta foto (1920), no térreo do prédio , esquina da Praça Verdi com a Rua Formosa existiu uma peleteria e importação de peles. Eram caríssimas e esgotavam-se rapidamente. Minha avó comprou ali, um casaco de peles curto. Pagou – valor atual, R$ 8.000,00. Kkkkkkk. O térreo tinha muitas lojas refinadas.
Eu gostava de saber se aquela espécie de piscina que estava até agora no meio do Anhangabaú, na Av. S. João, é um resquício desse “buraco do Adhemar” do qual tanto ouvi dizer.
E o tal buraco ainda existe?
Uma das funções da Delegacia Fiscal era receber os depósitos de quem tinha caderneta de poupança na Caixa Econômica Federal e morasse em lugar onde não haviam agências, já que na capital paulista só haviam duas: na Sé e no Brás.
Isto eu descobri visitando o Museu da Caixa, na Praça da Sé. Fica a dica!
Achei esta uma das melhores reportagens sobre os prédios antigos de São Paulo.
Diz tanto sobre a nossa História de São Paulo que se confunde com a História do Brasil.
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Soldades,,,olhando agora vi o meu passado tinha 11 anos ,,e com meu pai ,,fui algumas vezes no local, meu pai ,foi que comprou e ganhou ,,a levitação para demolir,,,o prédio ,,,enfelismento teve algumas histórias triste ,com acidentes em sua demolição mais foi legal ver que meu pai contribui para que fica-se mais bonito o famoso buraco do Ademar parabéns Sr pelas fotos e reportagem bem lembrada
Sinto muito ter essas demolições, onde acabam com a arquitetura antiga, que é maravilhosa muitas vezes ara colocar ali um prédio de estacionamento ou um outro qualquer sou apaixonada pelos prédios, casas e palacetes antigos, pena que estão acabando com eles.
Mas o Douglas faz um trabalho maravilhoso nos mostrando aquilo que foi ou que ainda está em pé nesta cidade maravilhosa.
Esse edifício era lindíssimo! Parece que eu estava olhando para um prédio antigo de Nova York, próximo ao Central Park.