Não é de hoje que morrer na capital paulista é um transtorno para quem irá sepultar seus entes queridos. Hoje, não é raro vermos toda sorte de “caixinhas” sendo cobradas aos familiares dos falecidos no momento de maior dor, como na súbita necessidade de alargar a sepultura para passar o caixão fora de medida, ou no assédio de pedreiros que atuam livremente nas necrópoles da cidade. No passado a coisa era um pouco diferente, mas não menos complicada.
Em 1828, o Imperador dom Pedro I promulgou a Lei Régia de 1 de Outubro de 1828, que proibia sepultamentos nas igrejas – regra até então – e que deixava os templos religiosos com um cheio insuportável de cadáveres em decomposição.
Esta lei prejudicou um pouco a arrecadação das paróquias, que recebiam doações dos fiéis para terem seus corpos enterrados nas igrejas. Quanto maior o donativo, mais próximo do altar a pessoa era sepultada.
Com o surgimento dos cemitérios em São Paulo, como o de Santo Amaro e da Consolação, surgiu também a necessidade de novos velórios e serviços, transporte de mortos etc. Todos esses trabalhos passaram a ser prestados pela Santa Casa de Misericórdia (Santa Casa de Saúde de São Paulo) que teve o monopólio acertado inicialmente até dezembro de 1899 (vide recorte acima).
No final da década de 1890, com a eminente finalização do monopólio da Santa Casa nos funerais, algumas empresas privadas já começaram a surgir para explorar este futuro nicho de negócio que, tudo indicava, seria aberto a todos os interessados mediante regulamentação (no passado alguns piratas atuavam e eram punidos pela prefeitura).
Foi ai que surgiu uma das maiores empresas paulistanas do ramo de aluguel de carroças e carruagens para sepultamentos e ornamentos de sepulturas: A Casa Rodovalho.
Primeira grande loja do ramo a se estabelecer legalmente em São Paulo, a Casa Rodovalho era localizada no antigo número 1 da rua São Bento, nas imediações do Largo São Francisco, em um suntuoso prédio de dois andares de esquina, que já não existe mais.
A empresa, que era oficialmente conhecida como Rodovalho Jr, Horta & Cia, era comandada pelo seu principal proprietário, Antonio Proost Rodovalho Júnior.
Conhecido mais como Rodovalho Jr, ele era filho do famoso Coronel Rodovalho, ilustre paulistano e um dos fundadores da atual Associação Comercial de São Paulo.
Apesar de dedicar-se bastante as atividades funerárias em conjunto com a Santa Casa, que a eles terceirizava os serviços, a Casa Rodovalho era bem conhecida em São Paulo por também prestar serviços de táxi, com sua frota própria e time de motoristas (à época chaffeurs) bem treinados, além de serviços de construção de carroças e carruagens, que eram feitas em outra unidades da empresa, na rua da Mooca.
SERVIÇOS POLÊMICOS:
A polêmica foi algo que marcou o serviço funerário paulistano desde o final do século 19 até, pelo menos, o ano de 1918, quando a gripe espanhola levou a prefeitura a intervir pra valer no serviço.
Por isso, a extensão do monopólio da Santa Casa nos sepultamentos, inicialmente prolongada até 1911, causava indignação a quem queria entrar no ramo funerário, já que ela só terceirizava seus serviços para a Casa Rodovalho. Vejam este anúncio anônimo publicado em 1900 no jornal Correio Paulistano:
Isso evidentemente não foi um problema para a Casa Rodovalho, que além de seus serviços de carruagem e táxi, lucrava com sua generosa parceria com a Santa Casa, onde cuidava especificamente dos paramentos, importação de coroas de flores e também do traslado dos corpos, de velórios para os cemitérios da cidade.
Se você se deparasse com um cortejo fúnebre em São Paulo nos primeiros anos do século 20, a imagem seria assim:
A CASA RODOVALHO:
Especializada em transporte funerário e também no serviço de táxis em São Paulo, a Casa Rodovalho era uma empresa bastante próspera. Tinha suas próprias oficinas no bairro da Mooca, onde produzia suas carroças e carruagens funerárias para uso próprio e venda para outras cidades, além de serviço de manutenção e mecânica, com seu maquinário movido a vapor.
Na sede da empresa, na rua São Bento, ficavam os escritórios administrativos e também a loja, no térreo, onde eram vendidos desde ornamentos a coroa de flores nacionais e importadas.
A foto abaixo, dá uma dimensão de como era o interior da Casa Rodovalho:
Coube a Casa Rodovalho, em 1918, um recorde na cidade de São Paulo que creio até hoje não ter sido alcançado. Neste ano, auge da gripe espanhola na capital, a empresa chegou a organizar 600 funerais na capital em um único dia.
O caos causado pela gripe espanhola naquele ano foi tão grande, que levou a prefeitura a baixar um decreto tabelando os preços dos funerais, proibindo seguir o féretro à pé e restringindo os funerais apenas a familiares (veja o decreto no final do artigo).
FROTAS DE TÁXI E CARRUAGENS:
Embora a Casa Rodovalho não tenha sido a primeiríssima no serviço de táxis em São Paulo, a empresa foi uma das pioneiras por aqui a ter uma frota de veículos a disposição de clientes.
Era aproximadamente duas dezenas de automóveis e outras duas dezenas de carruagens, que atendiam a população paulistana, especialmente a elite e políticos. Era até possível chamar um táxi por telefone, discando “3”, que era o número que atendia tanto a Casa Rodovalho, como sua garagem, que ficava na rua Amaral Gurgel.
Os carros a disposição eram das mais variadas marcas, entre elas Reo, Renault, Fiat e Hupmobile.
A Casa Rodovalho permaneceria no serviço funerário ainda por algumas décadas, bem como também no serviço de táxis.
ANEXO:
Abaixo, o decreto de 1918 que tabelava os sepultamentos e implementava mudanças provisórias nos sepultamentos da cidade de São Paulo, por ordem do então prefeito Washington Luís:
Respostas de 29
Douglas, you never cease to amaze me. Excellent work as always. Congratulations.
rapaz, quanto dinheiro! maravilhosa matéria.
Muito bacana essa matéria,infelizmente esse tipo de documentário e esquecido nas escolas….por isso esta cheio de jumento nesse Brasil.
Matéria muito interessante!!
Mais uma excelente matéria que resgata e perpetua a memória desta Cidade incrível. Era tudo muito lindo, limpo e organizado. Parabéns por mais este golaço de placa, querido Douglas. Reitero a sugestão de você reunir todos os artigos e publicar um livro. Com certeza, patrocinadores não vão faltar. Parabéns. Abração. Shalom Aleihem! Paz Profunda!
L. Lafam.
A corrupção sempre presente.
Parabéns Douglas, Esta família Proost é bem extensa.. Há um bairro em Campinas chamado Proost de Souza, há um ramo também em Santos, de dona Afonsina Proost de Souza (com nome de rua em Santos) e o qual se cruza com o ramo Porchat de Assis..sim, de Fabio Porchat (humorista). Sepulturas no cemiterio do Paquetá em Santos.. O cemitério do Paquetá está “on line”, e é possível acessar os dados dos sepultados, bem como data de nascimento e falecimento. Veja Proost, que aparece ramos desta família.. abs.A família Porchat, de Santos também é muito antiga, com uma praça denominada Reinaldo Porchat, em frente ao parque Ibirabuera e de outro Porchat, nos Jardins..
E a Ilha Porchat tem algo a ver com isso?
Corrigindo nome dos descendentes, Robertina Proost de Souza. Há mais 20 descendentes Proost sepultados no Paquetá, segundo o SigSantosweb (Cemitério Paquetá digital).. Abs
Excelente trabalho e agradeço em nome dos Rodovalhos.
Boa tarde Roberto, também sou Rodovalho. Minha família é de Salvador, mas meu avô João Leite Rodovalho veio de Recife. Gostaria de saber se temos relação parentesca, busco “Rodovalhos”.
Excelente! Também acho sensacional a ideia de reunir tudo e publicar um livro. A memória paulistana merece!
Excelente matéria. O registro em livro é uma necessidade.
Legal saber um pouco mais da história da família de meu marido.
Gostei muito da matéria.
Êeeee Brasil, a bandalheira por aqui é bem antiga
Essas matérias estão cada vez melhores, eu sou um visitante assíduo do site e admiro e respeito a história de Sp, eu moro ao lado da capital …Em Caieiras, cidade que nasceu graças a um Rodovalho, o Antônio Proost Rodovalho !!
Eu fico imaginando… já que a mesma empresa fazia o serviço de taxi e funerária, se alguma vez eles não se confundiram e mandaram um carro funerário para quem pediu um taxi??, se bem
Eu fico imaginando… já que a mesma empresa fazia o serviço de taxi e funerária, se alguma vez eles não se confundiram e mandaram um carro funerário para quem pediu um taxi???, se bem que o carro funerário não deixa de ser um taxi (da última viagem, diga-se de passagem MUÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁÁ!!!!!!). Ou senão… será que já aconteceu de um caboclo pedir um taxi e no meio do caminho o taxi sofrer um acidente e o caboclo morrer e a empresa lucrar duas vezes??? 😀 😀 😀 😀
Ótima matéria!
Faltou falar da fazenda etelvina que funcionava na zona leste de SP no bairro cidade Tiradentes onde o coronel mandou fazer uma linha de bonde até o bairro de lageado para transporte de materiais e pessoas nesse lugar hj é o terminal cidade Tiradentes de ônibus e ainda tem a casinha antiga preservada da roça muito legal.
Parabéns, ótimo artigo.
História sensacional. Rodivalho jr probavelmente era meu bisavo
Antônio Proost Rodovalho foi fundador de duas cidades paulistas: Caieiras e Alumínio.
A história de Caieiras já é conhecida por todos; logo, vou falar de Alumínio.
Em 1892, Rodovalho comprou as terras de Eusébio Stevaux (um dos engenheiros que projetaram a ferrovia de São Paulo a Sorocaba) a 10 Km da cidade de São Roque e 25 de Sorocaba. Vendo que havia uma gigantesca jazida de calcário no local, o empresário construiu ali uma pequena fábrica de cal; a Sorocabana construiu uma estação ferroviária ao lado da fábrica e a batizou de “Rodovalho”. Logo, a pequena vila que ali se formou também foi batizada de “Rodovalho”.
Na década de 1920, Antônio Pereira Ignácio comprou a fábrica Rodovalho e utilizou o complexo industrial para a produção de cal e vidro; mas, em 6 de Dezembro de 1941, José Ermírio de Moraes (casado com a filha de Pereira Ignácio e sócio do sogro) e outros investidores fundaram a Cia. Brasileira de Alumínio (CBA) e decidiram aproveitar a antiga fábrica de Rodovalho para levantar uma moderna e gigante usina de produção de alumínio primário. Devido à guerra, a fábrica só foi inaugurada em 4 de Junho de 1955, após dez anos de implantação e com demolição quase total dos antigos galpões. Em 1946, porém, a Sorocabana mudou o nome da estação Rodovalho para Alumínio, por causa da CBA; dessa forma, o núcleo habitacional (na época, pertencente à São Roque) passou a se chamar Alumínio, tornando-se município somente em 30 de Dezembro de 1991.
A antiga chaminé branca sextavada é o que sobrou da fábrica de Rodovalho em Alumínio: ela está encravada dentro da CBA (hoje, a única fábrica de alumínio primário do Centro-Sul do Brasil) e pode ser vista ao longe.
Infelizmente, é praxe no Brasil a existência de monopólios ou oligopólios, para diversas atividades. Passei um problema com sepultamento em 1990, em um conhecido cemitério de São Paulo, justamente por causa da máfia que controla tais atividades. Aproveitam o momento de fragilidade pelo qual o familiar passa para cobrar uma “taxa extra”, mas que tem que ser mantida em sigilo da Prefeitura senão o honesto funcionário “perde o emprego”. Mais recentemente tais manobras foram objeto de uma reportagem da TV Record. Mudam os tempos, mas certas práticas permanecem as mesmas.
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/06/ministerio-publico-ira-ouvir-suspeitos-de-participar-da-mafia-das-funerarias.html Eis aqui um dos links sobre as organizações que agem de maneira desonesta nos cemitérios de São Paulo. Espero que possa ser compartilhado.
linda história
Bem ,eu como sepultador deste serviço funerário desfrutei também da participação da santa casa e a igreja nas historias dos enterros porque as pessoas antigamente,a grande maioria de pobres eram sepultados em lenções sem caixão.o serviço funerário municipal foi criada lei dos enterros gratuitos nos onde a população menos favorecida foi contemplada.Com o crescimento da cidade foram construídos cemitérios em pontos estratégicos nos quatro cantos da cidade ,se tornando o maior S.F.M.S.P. e da América Latina
Muito boa a matéria. fiquei sabendo em outras pesquisas que a família citada( Rodovalho) na época eram proprietários de grande fazenda na zona leste de São Paulo, mais precisamente em Guaianases,Essa fazenda foi comprada pelo governo estadual e foi construída a Cohab Cidade Tiradentes.
Muito interessante a sua matéria.Tenho uma história na minha família que minha avó era filha bastarda do Rodovalho Jr. Estou curioso para saber mais sobre isso. Se tiver alguem com informações entrem em contacto. Obrigado.