O pioneiro do voo à vela no Brasil

Tem gente que não gosta, mas para os amantes da história, curiosos por excelência, uma volta pelos cemitérios pode trazer descobertas fascinantes e trazê-las à tona torna-se uma obrigação.

Imaginar que cada túmulo guarda um mundo de histórias já é algo incrível, ver a situação dos túmulos ou abandonados pelas famílias ou saqueados por sua vez, é o lado triste daquele arquivo de nosso passado que são os cemitérios.

Na foto uma das alamedas do Cemitério do Araçá (clique para ampliar)

Visitando o cemitério do Araçá a tristeza não pode ser maior. A quantidade de túmulos sem a menor identificação até assusta. São gerações de antepassados esquecidos e com eles a história de cada um de nós.

Hoje, de certa forma, apagamos a nosso próprio passado, pois muitas pessoas nem sabem que a família tem um jazigo, ou nem querem saber para não correrem o risco de terem que pagar alguma taxa de conservação ou mesmo uma reforma. Morreu? Crema rapidinho e joga as cinzas no jardim… Estas mesmas cinzas poderiam ser colocadas no túmulo da família, mas isso dá um trabalho… (e nem é administrativamente complicado)

Mas voltando ao meu passeio, me deparei com um túmulo semiabandonado e já sem as plaquetas de identificação que obviamente já haviam sido furtadas. Mas o bom desta história é que não conseguiram (ainda) levar a grande placa de bronze em alto relevo que retrata três pessoas.

Foto de 2013, antes do furto da placa com o nome da família (clique para ampliar)

No topo, Giuseppe Aliberti (*1862 +1921) em traje militar, ao lado esquerdo Silvio (*1893 +1914) e do lado direito Guido (*1895 +1930) que tem abaixo de sua figura uma placa com o seguinte epitáfio: “Ao inesquecível Guido Aliperti pioneiro no Brasil do voo em aeroplano sem motor e victima desse seu nobre ideal. Tributo de gratidão, saudade e amizade. Alfredo Trigo de Loureiro”.

Como amante da aviação e por nunca ter ouvido falar deste pioneiro, foi dada a ordem de decolagem para mais uma pesquisa.

Esta família Aliberti possuía uma importante fábrica em São Caetano do Sul, a Indústria de Botões Aliberti Ltda, que chegou a dominar 60% do mercado de botões no Brasil além de terem sido pioneiros na área de plásticos inclusive suprindo a nascente indústria automobilística e se aventurando, posteriormente na área de fiberglass.

Guido tinha outros dois irmãos, Aldo e Sílvio, que como ele eram grandes entusiastas dos esportes aparecendo em competições de esgrima, tiro e boxe, sendo que Guido foi um dos pioneiros na introdução deste último esporte de forma profissional através da Internacional Boxing Club dirigida por ele.

Interessante e triste foi que em 1928 Guido e Aldo estiveram envolvidos numa tentativa de assassinato por parte de um funcionário de sua fábrica que apaixonado por uma profissional de diferente classe social, decide como vingança, por ela ter voltado casada da Itália, assassiná-la assim como seus patrões, Aldo e Guido. Ao final, o assassino matou o jovem casal sem conseguir o mesmo intendo com relação aos irmãos Aliberti. O ocorrido ficou conhecido na imprensa paulistana da época como “A tragédia de São Caetano”.

Mas não só os esportes é que faziam parte do cotidiano dos irmãos Aliberti, pois a paixão pela aventura os fez montar, com algumas modificações, um “avião sem motor”, expressão então usada para denominar os planadores e o modelo escolhido foi um Zögling, modelo bastante básico de planador.

Ilustração de Guido e seu planador, extraído do álbum de figurinhas do Chocolate PAN

No dia 2 de março de 1930, no Campo de Tereza de Maio, no bairro do Ipiranga lá estavam Aldo, Guido e assistência para realizarem um voo com o aeroplano. Não foi na primeira tentativa, mas na segunda que foi alçado voo quando uma rajada de vento fez a aeronave se desestabilizar e cair ferindo gravemente Guido que estava no comando do planador. Levado para a Casa de Saúde Matarazzo, acabou não resistindo aos ferimentos e faleceu no dia 21 de março.

A cena do desastre extraída do jornal “A Gazeta” (clique para ampliar)

Interessante que a placa que nos deu a pista para escrever esta história foi oferecida por Alfredo Trigo de Loureiro, cuja relação de amizade com Guido não foi possível descobrir. Alfredo morava na Avenida Atlântida, 326 em Copacabana,  Rio de Janeiro e era bisneto do Barão de Diamantino. Nada mais descobri sobre ele.

A placa e seu epitáfio

Nos sites sobre voo livre não encontrei nenhuma menção ao pioneiro Guido Aliberti que agora tem o seu histórico reconhecido através do Instituto São Paulo Antiga.

SÍLVIO ALIBERTI

No mesmo mausoléu também jaz o corpo de outro irmão de Guido, Sílvio Aliberti. Curiosamente, o esporte também foi causador da morte deste outro filho de Giuseppe Aliberti. No caso um trágico acidente de motocicleta.

De acordo com a notícia publicada no periódico “A Gazeta”, Sílvio faleceu em maio de 1914 após sofrer um “horroroso desastre” (palavras do jornal) no município de São Vicente onde tinha ido para acompanhar a inauguração da hoje famosa Ponte Pênsil.

A história da família Aliberti não acaba por aí, pois o engenheiro químico Aldo Aliberti foi o fundador, em 1935, da conhecida fábrica de chocolates PAN que todos nós conhecemos e cuja fábrica fica em São Caetano do Sul.

TÚMULO SOFRE COM ROUBOS E ABANDONO:

A imagem abaixo mostra um triste comparativo do mausoléu da família Aliberti em dois momentos distintos: 2013 e 2020.

clique na foto para ampliar

É triste ver que os cemitérios paulistanos estão largados à própria sorte, sofrendo com atos de vandalismo e furtos, que estão deixando vários túmulos quase impossíveis de serem reconhecidos, seja pelos próprios familiares ou por visitantes e pesquisadores.

No caso deste mausoléu foram roubadas várias placas de outros familiares ali sepultados, bem como a placa de bronze que estava instalada sobre a porta com os dizeres “Família Aliberti“.

Veja fotos de detalhes do mausoléu (clique para ampliar):

Sílvio Aliberti

Giuseppe Aliberti
Guido Aliberti

Nota:
*1 – Nas pesquisas que realizamos em jornais antigos encontramos o nome “Campo Tereza de Maio”. Entretanto é possível que seja um erro de datilografia e o correto ser “Campo Treze de Maio”, sendo que este segundo é até mais plausível. Entretanto não encontramos até o momento qualquer referência ao primeiro ou segundo nome. Caso seja encontrado este artigo será novamente atualizado.

Bibliografia consultada:
* Revista Raízes – Fundação Pró memória de São Caetano do Sul. Ano X, Nº 19 – Julho 1999
* A Gazeta – Edição de 22/05/1914 – pp 1
* A Gazeta – Edição de 28/03/1928 – pp 8
* A Gazeta – Edição de 03/03/1930 – pp 8
* A Gazeta – Edição de 22/03/1930 – pp 6

Também colaborou com este artigo: Douglas Nascimento
Artigo atualizado em 15/12/2020

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28 respostas

  1. História muito interessante, excelente pesquisa, porem e lamentável as depredações, que são uma praga na maioria das cidades.

    1. A seguinte nota não havia sido colocada, pedimos desculpas.

      “Nas pesquisas que realizamos em jornais antigos encontramos o nome “Campo Tereza de Maio”. Entretanto é possível que seja um erro de datilografia e o correto ser “Campo Treze de Maio”, sendo que este segundo é até mais plausível. Entretanto não encontramos até o momento qualquer referência ao primeiro ou segundo nome. Caso seja encontrado este artigo será novamente atualizado.”

  2. Excelente pesquisa!!! Parabéns e muito obrigado! Historias que ficam escondidas, tão cheia de ricos detalhes! Com certeza deve ser compartilhada! Farei isso! Parabéns!

  3. Parabéns ao SÃO PAULO ANTIGA!
    Gosto muito dessas estórias.
    Quanto ao possível erro datilográfico que diz ” Tereza de Maio “, pode também ter sido confundido com ” Tereza de Marzo ” a primeira mulher a tirar BREVET no Brasil ( Licença em Francês para pilotar aviões ) Tereza de Marzo foi a primeira, a segunda, no mesmo dia, foi a Anesia Pinheiro Machado. Entre a primeira e a segunda, o critério foi provavelmente ordem de chegada. Consta também nesse estória, que a Tereza de Marzo, era namorada do instrutor.

  4. Muito triste o descaso sobre os personagens que fizeram história quando vivo. Sua memória parece não interessar mais. No entanto, são nossa escada.

  5. Gostei muito. E gostei também, da observação de Antonio Roberto Camargo, que aparentemente traz uma nova linha para a pesquisa.

  6. Fantástico! Parabéns pela pesquisa e muito obrigada por compartilhar este conhecimento da nossa história

  7. O nome desse antigo campo de aviação (há muito tempo que não existe mais) era Campo Tereza de Marzo, nome de uma aviadora, uma das pioneiras.

  8. Moro bem na divisa de SBC/SCS E NAO CONHECIA A HISTORIA DA FAMILIA ALIBERTI, NEM QUE FORAM DONOS DA PAN, E DA IMPOSTANCIA QUE TIVERAM

    1. Boa tarde, Maria Cristina! Sou arquiteta, meu campo de interesse é patrimônio e gostaria de conversar sobre a Vila Medeiros! Por favor, olhe sua caixa de e-mails. Grata! Andréia

  9. No texto há menção sobre a casa de saúde Matarazzo. Eh o mesmo hospital Matarazzo que depois passou a se chamar Umberto I, na região da Paulista? Vcs tem alguma matéria sobre esse hospital?

  10. Excelente relato! Mas, é com tristeza que vejo que, assim como acontece com os Aliberti, o mausoléu da minha família (Aliperti) também está totalmente vandalizado, na entrada principal do Araça. Além do descaso com a história de São Paulo, é um desrespeito aos mortos.

  11. O nome correto do Aeródromo , não seria Tereza Di Marzo que foi no Ypiranga entre a Silva Bueno e a rua do Grito ?

  12. Olá boa tarde, me surgiu uma dúvida, pelo sobrenome fiquei curiosa com relação o grau de parentesco entre Silvio, Giuseppe, e Guido , com Aldo Aliberti, sei que o Aldo foi um dos fundadores da fábrica da de chocolates Pan, achei que ele era irmão do Silvio, Giuseppe, e Guido, você saberia algo sobre essa possivel informação? Se são irmãos mesmo?

    1. Gilrlene, se me permite, eu entendi que Giuseppe era o pai, tendo os filhos Sílvio, Guido e Aldo, sendo que o último não está sepultado no mesmo mausoléu de seu pai e irmãos, assim como a mãe, sendo que esta nem foi citada.

  13. Interessante essa historia…eu, curiosa, fui fusar para ver se achava alguma informação sobre Alberto Trigo de Loureiro, e parece que ele era um industrial também. O Anuário genealogico brasileiro vol 1 pag 184 menciona o nome dele, também vi referindo se a ele na Revista das classes produtoras, Diario oficial e alguns livros. Me chamou atenção porque conheço uma pessoa com mesmo sobrenome e tenho como curiosidade conhecer a historia de vida das famílias.

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