Assim surgiu o Jardim Europa

Um dos mais conhecidos bairros nobres paulistanos, o Jardim Europa faz parte do conjunto não oficial e denominado jardins e composto além dele por Jardim América, Jardim Paulista e Jardim Paulistano.

Voltando no tempo, ao início do século 20 a região era uma grande e desabitada várzea do Rio Pinheiros. Era uma região que era constantemente alagada pela expansão do rio nos períodos de chuvas e pouco favorável a ocupação urbana. Mesmo assim nos primeiros anos da década de 1920 as margens do Pinheiros já se encontravam povoadas por imigrantes, especialmente italianos e japoneses além diversos clubes esportivos.

Vista do Jardim Europa em 1922: Uma grande floresta.

Foi no começo desta mesma década que começaram os planos para a retificação do Pinheiros bem como a inversão do curso do rio, através da Usina Elevatória de Traição, com diversas obras que iriam de 1928 até meados da década de 1950.

Isso fez da região então pouco interessante do ponto de vista imobiliário passar a ser cobiçada para futuros loteamentos. Foi pensando nisso que o empresário e banqueiro brasileiro de origem portuguesa Manuel Garcia da Silva adquiriu a área para lotear.

Na foto: o empresário Manuel Garcia

Pouco lembrado pela história paulistana, Manuel Garcia da Silva foi fundador em São Paulo do Banco do Minho, de capital português.

Além da atuação como banqueiro ele era o principal proprietário da empresa Garcia da Silva & Cia, dona de diversos negócios na capital entre elas a famosa Loja do Japão.

O início das obras e do loteamento do bairro, em 1922, logo causou bastante impacto na capital. A ideia do empresário era transformar aquela região no endereço mais nobre da cidade, destinado a elite paulistana.

Para mostrar o bairro aos paulistanos, Manuel Garcia investiu pesadamente em publicidade nos principais jornais e revistas de São Paulo, bem como tratou de atrair jornalistas, celebridades, políticos e até aviadores para conhecer divulgar o futuro bairro nobre da cidade.

Foi assim que no mesmo ano de 1922 o futuro bairro foi palco de um grande evento celebrativo para indicar o início das vendas dos lotes do bairro.

Para isso Manuel Garcia convidou, entre outros, ninguém menos que a famosa dupla de aviadores portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral que na época eram celebridades mundiais e especialmente cortejados nos países de língua portuguesa.

Banquete oferecido aos aviadores Gago Coutinho e Sacadura Cabral

O evento também contou com toda a imprensa paulista, políticos, militares e representantes diplomáticos portugueses em um rico banquete oferecido ao ar livro bem no centro do futuro bairro. A animação da festa ficou por conta da banda da Força Pública.

A imprensa descreveu a festa de inauguração do loteamento como algo poucas vezes visto em São Paulo. A todo momento carros luxuosos desembarcavam homens e mulheres da alta sociedade convidados para o evento e curiosos em saber mais sobre as vendas.

No início do evento Manuel Garcia da Silva anunciou um grande presente em homenagem a dupla de aviadores portugueses: cada um deles ganhava um lote de terreno para si. O almirante Gago Coutinho ficou com o lote número 1, enquanto o comandante Sacadura Cabral ficava com o lote número 21.

Planta do Jardim Europa em 1922 pronto para a venda dos lotes (clique para ampliar)

O gesto bondoso era na verdade uma baita jogada de publicidade. Afinal muitos iriam querem morar no mesmo bairro onde duas personalidades famosas teriam suas casas, e as vendas deslancharam. Apesar disso não há indícios que a dupla tenha realmente chegado a construir e morar no bairro.

O projeto de cidade jardim do novo bairro era obra de uma importante figura da engenharia e arquitetura brasileira da primeira metade do século 20: Hipólito Gustavo Pujol Jr. Aprovado pelo proprietário ainda em 1922 a planta consistia em vias curvilíneas com intensa arborização e integrados a praças e jardins.

Avenida Europa, em 1923 ainda como Avenida das Nações (clique na foto para ampliar)

Inicialmente a planta do bairro cobria uma área de 900 mil metros quadrados, divididos em 49 quadras. As praças eram dotadas de grande diversidade arbórea com ipês, sibipirunas, jacarandás e palmeiras. Para fazer jus ao nome do bairro suas vias foram todas batizadas de nomes de países e cidades da Europa.

O sonho de Manuel Garcia da Silva se realizou por completo, sendo até hoje o Jardim Europa um dos mais valorizados bairros da cidade.

Ao longo de quase um século diversas personalidades brasileiras viveram e ainda vivem lá. Entre os que já não estão entre nós podemos citar Assis Chateaubriand e o ator John Herbert e entre os moradores atuais figura como o Governador de São Paulo João Dória, a ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy e o ex-jogador Ronaldo.

Vista do Jardim Europa no ano de 1922 (clique para ampliar)

OPOSIÇÃO AO NOVO BAIRRO:

A consciência ambiental era algo que praticamente não existia há um século. Foi desta forma que a expansão urbana paulistana correu desenfreadamente, não respeitando leitos e margens de rios, derrubando florestas e poluindo e canalizando córregos, rios e riachos.

Mesmo assim ao menos uma voz, mesmo que solitária, levantou-se contra a criação do novo bairro em defesa da proteção do meio ambiente daquela região e em prol de transformar a região não em um novo bairro, mas num imenso parque tropical.

As fotografias da galeria abaixo, de 1922, mostram como era o Jardim Europa antes de ser desmatado e loteado. Nota-se que realmente tratava-se de uma grande floresta.

Trata-se de Cyrano, assim mesmo só o nome, importante cronista do extinto jornal da colônia italiana Fanfulla. Foi dele o brilhante e tão ignorado à época e hoje tão atual artigo intitulado “Pela salvação do Jardim Europa“. No texto ele clamava para que algum milionário paulista – citou o Conde Matarazzo  entre outros – comprasse toda a área com o intuito de preservá-la para o futuro.

Ele não só não foi ouvido como o bairro teve todos os seus lotes vendidos. Imaginem como seria a região hoje se o sonho de Cyrano tivesse obtido resultado ?

IRONIA DO DESTINO:

Apesar de na época da criação do bairro os grandes homenageados terem sido a dupla de aviadores portugueses Sacadura Cabral e Gago Coutinho, uma ironia do destino fez com que o bairro recebesse, em 1987, um monumento em homenagem a aviadores mas não a dupla lusitana e sim os italianos Francesco de Pinedo e Carlo del Prete, famosos pela travessia do Atlântico em 1927. Em 2009 foi removido do bairro.

Anúncio publicitário veiculado em fevereiro de 1929

Bibliografia consultada:

* A Vida Moderna – edição 430 (1922)
* A Vida Moderna – edição 434 (1922)
* A Vida Moderna – edição 438 (1922)
* A Vida Moderna – edição 446 (1923)
* A Vida Moderna – edição 465 (1923)
* A Vida Moderna – edição 478 (1924)
* A Vida Paulista – edição 24 (1920)
* Fanfulla – edição de 9/6/1924
* Folha da Manhã – edição de 3/2/1929

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20 respostas

  1. Parabéns pelos reportagem!

    Pensei que este bairro fosse inspirado no conceito “Cidades Jardins” e implantado pela Companhia City. Seriam então outros bairros?

    Atenciosamente, Luís Antônio.

  2. Este site é um tributo a minha São Paulo amada, eu que nasci e cresci aqui, pela década de 50,sinto uma felicidade imensa ao ver as fotos todas,para mim não tem preço,essas lembranças!! E uma viagem por priscas eras!

  3. Interessante seria saber qual o custo de cada lote naquela época……co parado com os preços atuais….

  4. As fotos do Jardim América, antes do loteamento, mostram que era uma floresta, mas essa floresta foi plantada ali. Em áreas de várzea é comum o plantio de eucaliptos para melhorar a drenagem do terreno, graças às raízes fortes e profundas do eucalipto, as áreas costumam melhorar e muito a drenagem com o tempo. A área já era modificada, não era mais de vegetação nativa.
    Mas que a ideia de parques nas áreas de várzeas é muito melhor que a ocupação indiscriminada que tivemos em São Paulo, isso não temos dúvidas.
    Parabéns por mais essa excelente matéria.

  5. Muito interessante e instrutivo, não fazia idéia de como começou o Jardim Europa.Lembro que quando estudava no ginásio a Avenida Rebouças acabava na atual Faria Lima, depois era um matagal até o rio e pessoas caçavam ali.

  6. gostaria de saber se o Matarazzo primeiro morou nos jardins, av. Brasil ou perto. Minha mãe insiste nessa informação. Só conheço a casa na Paulista, Maria Pia, etc.
    gosto mto do seu site.
    grata.

    1. Posso responder. Desde 1896 na avenida Paulista. Refiro-me ao Conde Francesco Matarazzo, e a seu filho, Conde Francisco Matarazzo Jr e nora, Condessa Mariangela Matarazzo. Outros membros da família residiram no Jardim Europa e no Jardim América, e boa parte do Jardim Paulistano (incluindo o terreno onde está o Shopping Center Iguatemi) era uma chácara do Conde Luigi Edoardo Matarazzo, o mais novo dos treze filhos do Conde Francesco Matarazzo.

  7. Artigo interessante como os são os deste site em geral, no entanto gosto mais dos bairros bucólicos e pacatos onde vivem pessoas mais simples.

  8. parabéns pelo trabalho, gostaria de ver o nascimento da área oeste de SP, foi mesmo Cia City que loteou ?

  9. Adorei o artigo, pois meu avô, Manuel Garcia da Silva tinha tantos planos para esta região mas tudo foi acontecendo de maneira muito diferente. Apesar disto continua sendo uma região bonita com um glamour todo especial. Parabéns pelo artigo. Heloísa Garcia da Silva Sampaio

    1. Heloisa, que interessante que voce a neta do Sr. Manuel G. da Silva está lendo a história dessa região! Será que poderia nos contar quais eram os planos de seu avô? E porque eles eram diferentes do que foi feito? Estou pesquisando a área para meu doutorado e fiquei bastante curiosa! Se puder, responda diretamente no meu email: gkcesarino@yahoo.com . Obrigada, Gabriela

  10. Que viagem pela história. Adorei, nao conhecia, fiquei encantada. Obrigada por compartilhar conosco.

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